Páginas

sábado, 9 de novembro de 2019

LIVRO: "A Baleia Que Engoliu Um Espanhol"



LIVRO: “A Baleia Que Engoliu Um Espanhol”,
de Marco Neves
Ed. Guerra e Paz, Julho de 2017


A fazer fé nas palavras de Marco Neves que pontuam as linhas iniciais deste livro, o autor “sempre quis escrever um folhetim – não um romance, uma novela ou um conto, mas precisamente um folhetim, com mortos, pancada, segredos e amores delirantes.” Embora nos seja apresentado como um romance, é precisamente como um folhetim que gosto de ver este “A Baleia Que Engoliu Um Espanhol”, uma primeira obra de ficção divertidíssima e que serve de revisitação da história e dos costumes da terra natal deste “homem dos sete ofícios”, Peniche.

Entre o comércio do garum, que produzido nestas costas se espalhava pelo Mediterrâneo, e um nazi a correr num milheiral das Cesaredas, aquilo que Marco Neves nos oferece é uma narrativa entusiasmante e plena de humor que, percorrendo os caminhos da História, mantém o leitor no encalço de um tesouro do tempo dos romanos. Este é ainda o pretexto para se falar da História Trágico-Marítima ligada à Carreira das Índias, do exemplo de coragem e bravura do cabo Avelar Pessoa durante a Guerra da Restauração ou da passagem por Peniche de D. António Prior do Crato, “à boleia” da armada inglesa de Francis Drake, uma relação pouco vantajosa para o pretendente da coroa portuguesa e que está na origem da expressão “amigos de Peniche”. E, claro está, de um castelhano azarado que, depois de ter escapado às fúrias da Padeira de Aljubarrota e de sobreviver a toda uma série de peripécias, acabou na boca de uma baleia.

Ancorado numa certa literatura infanto-juvenil que marcou as primeiras leituras de muitos de nós – e aqui é impossível não citar Enid Blyton e, sobretudo, a série “Os Cinco”, mas também “Os Sete” ou os livros da colecção “O Mistério” -, o livro desenvolve-se em torno de um recurso narrativo deveras curioso e original, como se de uma de lengalenga se tratasse. Tal como em “A Loja do Mestre André” – recordemos que a segunda estrofe desta cantiga é reforçada com elementos da primeira, a terceira com elementos das duas anteriores e assim sucessivamente –, “A Baleia Que Engoliu Um Espanhol” adopta uma estrutura semelhante, com Marco Neves a reforçar, ao jeito de uma canção de roda, as mensagens anteriores, misturando e confundindo as histórias numa só.

Ao interesse histórico, às constantes menções a Peniche e a uma particular linha narrativa, gostaria de acrescentar, em termos de conclusão, a homenagem que Marco Neves presta, com este livro, aos seus avós – Gisela, Manuel, Faustino e Leonor – e a todos os avós do mundo, enquanto garante da continuidade e perpetuação duma certa tradição oral. É a eles que cabe esse direito ou, mais do que um direito, essa obrigação de contar histórias aos netos - mesmo que as histórias possam ser pejadas de arrepios, ou que tenham trapalhadas ou, mesmo, que sejam enfadonhas. A eles se permite que os heróis patetas das aventuras que contam possam ter um nome de família e, de preferência, nelas se possam misturar antepassados e imaginação. Porque os avós não contam histórias: são a nossa história!

Sem comentários:

Enviar um comentário