LIVRO: “A Baleia Que Engoliu Um
Espanhol”,
de Marco Neves
Ed. Guerra e Paz, Julho de 2017
A fazer fé nas palavras de Marco Neves
que pontuam as linhas iniciais deste livro, o autor “sempre quis
escrever um folhetim – não um romance, uma novela ou um conto, mas
precisamente um folhetim, com mortos, pancada, segredos e amores
delirantes.” Embora nos seja apresentado como um romance, é
precisamente como um folhetim que gosto de ver este “A Baleia Que
Engoliu Um Espanhol”, uma primeira obra de ficção divertidíssima
e que serve de revisitação da história e dos costumes da terra natal
deste “homem dos sete ofícios”, Peniche.
Entre o comércio do garum, que
produzido nestas costas se espalhava pelo Mediterrâneo, e um nazi a
correr num milheiral das Cesaredas, aquilo que Marco Neves nos
oferece é uma narrativa entusiasmante e plena de humor que,
percorrendo os caminhos da História, mantém o leitor no encalço de
um tesouro do tempo dos romanos. Este é ainda o pretexto para se
falar da História Trágico-Marítima ligada à Carreira das Índias,
do exemplo de coragem e bravura do cabo Avelar Pessoa durante a
Guerra da Restauração ou da passagem por Peniche de D. António
Prior do Crato, “à boleia” da armada inglesa de Francis Drake,
uma relação pouco vantajosa para o pretendente da coroa portuguesa
e que está na origem da expressão “amigos de Peniche”. E, claro
está, de um castelhano azarado que, depois de ter escapado às
fúrias da Padeira de Aljubarrota e de sobreviver a toda uma série
de peripécias, acabou na boca de uma baleia.
Ancorado numa certa literatura
infanto-juvenil que marcou as primeiras leituras de muitos de nós –
e aqui é impossível não citar Enid Blyton e, sobretudo, a série
“Os Cinco”, mas também “Os Sete” ou os livros da colecção
“O Mistério” -, o livro desenvolve-se em torno de um recurso
narrativo deveras curioso e original, como se de uma de lengalenga se
tratasse. Tal como em “A Loja do Mestre André” – recordemos
que a segunda estrofe desta cantiga é reforçada com elementos da primeira, a
terceira com elementos das duas anteriores e assim sucessivamente –,
“A Baleia Que Engoliu Um Espanhol” adopta uma estrutura
semelhante, com Marco Neves a reforçar, ao jeito de uma canção de
roda, as mensagens anteriores, misturando e confundindo as histórias
numa só.
Ao interesse histórico, às constantes menções a Peniche e a uma
particular linha narrativa, gostaria de acrescentar, em termos de
conclusão, a homenagem que Marco Neves presta, com este livro, aos
seus avós – Gisela, Manuel, Faustino e Leonor – e a todos os
avós do mundo, enquanto garante da continuidade e perpetuação duma
certa tradição oral. É a eles que cabe esse direito ou, mais do
que um direito, essa obrigação de contar histórias aos netos -
mesmo que as histórias possam ser pejadas de arrepios, ou que tenham
trapalhadas ou, mesmo, que sejam enfadonhas. A eles se permite que os
heróis patetas das aventuras que contam possam ter um nome de
família e, de preferência, nelas se possam misturar antepassados e
imaginação. Porque os avós não contam histórias: são a nossa
história!
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