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quinta-feira, 10 de outubro de 2019

TEATRO: "A Morte de Danton"



TEATRO: “A Morte de Danton”,
de Georg Büchner
Encenação | Nuno Cardoso
Cenografia | F. Ribeiro
Interpretação | Albano Jerónimo, Nuno Nunes, Joana Carvalho, Paulo Calatré, Afonso Santos, Sérgio Sá Cunha, António Afonso Parra, Margarida carvalho, Rodrigo Santos, João Melo, Maria Leite, Mafalda Lencastre, Mário Santos
Produção | Teatro Nacional S. João
150 Minutos | Maiores de 12
Teatro Nacional S. João
28 set 2019 | sab | 19:00


Escrita em 1835 mas apenas estreada em 1903, devido à forma como aborda a questão da Revolução Francesa e questiona o Reinado do Terror, “A Morte de Danton”, do dramaturgo alemão Georg Büchner, recupera registos históricos para nos falar dos dez últimos dias da vida de Georges Danton (1754-1794), orador e líder revolucionário, um dos promotores do Comité de Salvação Pública e figura nuclear da chamada “política de terror”. Questionar as suas próprias ideias, pôr em causa o abuso de poder exercido pelos seus correligionários, nomeadamente por Robespierre, e tentar travar as medidas que ajudara a criar, em defesa da revolução, levará Danton perante um tribunal revolucionário e conduzi-lo-á à morte na guilhotina.


Assumindo um absoluto pioneirismo dentro do chamado “teatro documental”, “A Morte de Danton” é uma autópsia de um momento de fractura: A Revolução Francesa, verdadeiro alicerce de toda a sociedade contemporânea democrática e ocidental. Espaço de reflexão e discussão sobre questões extremamente atuais, a peça vai ao encontro do pensamento das sociedades modernas, dos seus dilemas e contradições, como a ditadura, o populismo, a representatividade, a democracia e as várias noções de cidadania e de igualdade, tomadas como adquiridas, depois de serem um edifício construído naqueles anos frenéticos. Nessa medida, a peça impõe um exercício de introspecção notório, em confronto com a actualidade, de Bolsonaro à loucura senil de Trump e ao espectáculo do “Brexit”, do medo da imigração e da tragédia do Mediterrâneo ao desastre da Amazónia.


Com tantos fios a ligarem passado e presente, não é de estranhar a opção assumida por Nuno Cardoso de pôr em cena um drama com mais de dois séculos de existência. Na “modernidade” do gesto, da linguagem e dos próprios adereços, há todo um propósito que visa alertar para a matéria de que o homem é feito e para os ciclos históricos que não cessam de se repetir. Pontuando o discurso de um cunho realista, o que nos é oferecido é um texto revolucionário, mais do que um texto dramático. No fim , restam na nossa imaginação as cabeças cortadas dos actores, em Paris como em Abu Ghraib. Os corpos degolados lembram que mesmo uma sociedade em paz está em pé-de-guerra latente, e tem uma frente de batalha, mais ou menos distante da capital, consoante a época histórica. Os corpos estendidos no palco evocam todas as pilhas de cadáveres, da Revolução Francesa aos campos da morte de Pol Pot, do genocídio do Ruanda à solução final.


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