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sexta-feira, 11 de outubro de 2019

LIVRO: "Agora e na Hora da Nossa Morte"



LIVRO: “Agora e na Hora da Nossa Morte”,
de Susana Moreira Marques
Ed. Edições Tinta-da-china, Janeiro de 2013


“Mas não é a ideia de desconhecido que assusta: é a ideia de que não haja desconhecido; apenas o fim.”

Depois de muitos, muitos quilómetros, as aldeias são uma só. Por caminhos velhos, um céu imenso onde volteiam, imponentes, as águias, o Douro como fronteira, Susana Moreira Marques e o fotógrafo André Cepeda acompanharam as equipas de cuidados paliativos domiciliários que, no planalto mirandês, “ajudam dezenas de doentes, de várias idades, condições sociais e circunstâncias familiares, a passar o final de vida com o maior conforto possível, e a morrer, acompanhados, em casa”. Das visitas que fez, recolheu a escritora apontamentos vários, guardando nos seus cadernos histórias e memórias de gentes e de vidas. Acrescentou-lhes a sua visão lúcida e despojada de juízos, daí resultando este “Agora e na Hora da Nossa Morte”, mergulho em apneia nas escuras e frias águas de uma realidade que a todos assiste, a morte, esse fim de linha tão natural como a própria vida.

Dividido em dois capítulos maiores – “Notas de viagem sobre a morte” e “Retratos” - e ainda um brevíssimo final intitulado “Quando regressares da viagem que ninguém saudável quer fazer, vais” -, o livro convida o leitor a escutar aqueles a quem o tempo de vida que resta é escasso, a deitar-se à cabeceira das suas camas percebendo um sopro que se vai extinguindo, a sentir o vazio deixado pelos que partem, a ler no eco das suas sentenças a sabedoria dos simples, a sentar-se à mesa de sempre, de ora em diante incompleta. Na urgência dum tempo que se escoa de forma inexorável, Susana Moreira Marques vem lembrar-nos, por muito que o queiramos esquecer, que qualquer semelhança entre as personagens aqui retratadas e pessoas reais não é mera coincidência, sendo muito provável que cada um de nós guarde no seu coração lugar para um João e uma Maria, para uma Paula, para uma Elisa e uma Sara.

Aqueles que, por força da profissão, têm visto, vivido e sentido muito daquilo que aqui é narrado, não podem deixar de ler “Agora e na Hora da Nossa Morte” com redobrada emoção. Carregados de apreensão e dúvida, os intermináveis turnos são feitos de Joãos e Marias, de Paulas, de Elisas, de Saras e de tantos outros cujos delgados fios de vida teimam em não quebrar graças ao oxigénio em máscara de alto débito, aos cocktails milagrosos a gotejar em bombas perfusoras ou às manobras de ressuscitação quando “investir” é a palavra de ordem. Porém, aquilo que Susana Moreira Marques nos mostra neste seu livro é uma outra forma de estar, oferecendo o calor duma palavra ou de um gesto, em vez do aço biselado que punciona mais uma veia ou da cânula de nome impronunciável que se ajusta na traqueia. Para quem sempre se escudou na técnica, fez dos profissionais de saúde os verdadeiros heróis de dramas recorrentes e só de longe viu a família no seu luto, este livro é uma lição de vida. Preferindo mostrar a força das suas fraquezas e dizer, com toda a humildade, “se não quiseres saber a resposta não faças a pergunta”, Susana Moreira Marques mostra-nos que, qualquer que seja o lado da barricada em que nos encontremos, somos carne da mesma carne e sangue do mesmo sangue. O que ela nos diz, muito claramente, é que nesta vida não há lugar a excepções, somos todos vencedores e vencidos. A cada um a sua hora!

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