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domingo, 22 de setembro de 2019

TEATRO: "Isto É Um Negro?"



TEATRO: “Isto É Um Negro?”
Encenação | Tarina Quelho
Co-encenação, arte gráfica e vídeo | Lucas Brandão
Dramaturgia | Mirella Façanha, Tarina Quelho
Interpretação | Ivy Souza, Lucas Wickhaus, Mirella Façanha, Raoni Garcia
Produção | Equem Égosta?
120 minutos | Maiores de 18
MEXE – 5º Encontro Internacional de Arte e Comunidade
Teatro Carlos Alberto
21 Set 2019 | sab | 2019


A peça vai começar. O público está já instalado quando a plateia é invadida por quatro actores, completamente encharcados, que começam a despir-se demoradamente antes de subirem ao palco, Aí, espera-os uma enorme montanha de cadeiras brancas que, em conjunto, irão empurrar até ao fundo de cena, em busca de espaço, enquanto orgulhosamente se afirmam: “Nós!” Neste artifício cénico, com tanto de simples como de impactante, se condensa “Isto É Um Negro?”, peça teatral com dramaturgia de Mirella Façanha e Tarina Quelho que propõe um conjunto de questões radicadas no projecto colonialista e que, prolongadas no presente, se inscrevem a sangue e dor com as palavras “segregação”, “xenofobia” e “racismo”.

Recuando cinco séculos e reflectindo sobre a hedionda operação que transformou milhões de pessoas em carga e as transportou de um continente para outro, há uma actriz que pede licença para usar o palco e, desassombradamente, dá uma lição de História. Mas há também um assertivo branco que “é preto há dois anos, noventa dias e vinte e uma horas”, um jovem que, além de negro, é “bicha” ou uma mulher negra que, como num espectáculo de “stand up comedy”, debita um sem número de anedotas de pretos. Representando um modelo social inusitadamente abrangente, estas são algumas das figuras criadas pelos actores e que, em sketches intensos e plenos de humor, vão de mãos dadas com o público ao encontro das respostas possíveis à questão fulcral.

Precariamente equilibrado na ténue linha que separa a realidade da ficção, “Isto É Um Negro?” mostra-se exímio na forma como provoca e embaraça. Para tal, tira partido dum discurso despretensioso no corpo e na palavra de actores enormes, militantemente envolvidos com um teatro marcadamente político na hora de discutir a negritude. Bebendo a sua filosofia nos escritos de Angela Davis, Fred Moten, Achille Mbembe, Bell Hooks, Grada Kilomba, Frantz Fanon, Sueli Carneiro, Mano Brown e Aimé Cesaire, a peça é um fortíssimo libelo sobre o racismo enquanto problema que é de todos, que não apenas dos negros, clamando pelo fim de um sistema discriminatório, escravocrata e cruel. No final, a mensagem passa de forma clara: O racismo é real e sinalizá-lo, identificá-lo ou denunciá-lo não é um capricho saída da exclusiva cabeça da pessoa negra. Somos todos culpados, a todos cabendo a responsabilidade de extirpar o mal!

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