TEATRO: “Isto É Um Negro?”
Encenação | Tarina Quelho
Co-encenação, arte gráfica e
vídeo | Lucas Brandão
Dramaturgia | Mirella Façanha,
Tarina Quelho
Interpretação | Ivy Souza, Lucas
Wickhaus, Mirella Façanha, Raoni Garcia
Produção | Equem Égosta?
120 minutos | Maiores de 18
MEXE – 5º Encontro Internacional
de Arte e Comunidade
Teatro Carlos Alberto
21 Set 2019 | sab | 2019
A peça vai começar. O público está
já instalado quando a plateia é invadida por quatro actores,
completamente encharcados, que começam a despir-se demoradamente
antes de subirem ao palco, Aí, espera-os uma enorme montanha de
cadeiras brancas que, em conjunto, irão empurrar até ao fundo de
cena, em busca de espaço, enquanto orgulhosamente se afirmam: “Nós!”
Neste artifício cénico, com tanto de simples como de impactante, se
condensa “Isto É Um Negro?”, peça teatral com dramaturgia de
Mirella Façanha e Tarina Quelho que propõe um conjunto de questões
radicadas no projecto colonialista e que, prolongadas no presente, se
inscrevem a sangue e dor com as palavras “segregação”, “xenofobia” e “racismo”.
Recuando cinco séculos e reflectindo
sobre a hedionda operação que transformou milhões de pessoas em
carga e as transportou de um continente para outro, há uma actriz
que pede licença para usar o palco e, desassombradamente, dá uma
lição de História. Mas há também um assertivo branco que “é
preto há dois anos, noventa dias e vinte e uma horas”, um jovem que, além de negro, é “bicha” ou uma mulher negra que, como num
espectáculo de “stand up comedy”, debita um sem número de
anedotas de pretos. Representando um modelo social inusitadamente
abrangente, estas são algumas das figuras criadas pelos actores e
que, em sketches intensos e plenos de humor, vão de mãos dadas
com o público ao encontro das respostas possíveis à questão
fulcral.
Precariamente equilibrado na ténue
linha que separa a realidade da ficção, “Isto É Um Negro?”
mostra-se exímio na forma como provoca e embaraça. Para tal, tira
partido dum discurso despretensioso no corpo e na palavra de actores
enormes, militantemente envolvidos com um teatro marcadamente político na hora
de discutir a negritude. Bebendo a sua filosofia nos escritos de
Angela Davis, Fred Moten, Achille Mbembe, Bell Hooks, Grada Kilomba,
Frantz Fanon, Sueli Carneiro, Mano Brown e Aimé Cesaire, a peça é
um fortíssimo libelo sobre o racismo enquanto problema que é de
todos, que não apenas dos negros, clamando pelo fim de um sistema
discriminatório, escravocrata e cruel. No final, a mensagem passa de
forma clara: O racismo é real e sinalizá-lo, identificá-lo ou
denunciá-lo não é um capricho saída da exclusiva cabeça da
pessoa negra. Somos todos culpados, a todos cabendo a
responsabilidade de extirpar o mal!
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