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quarta-feira, 3 de julho de 2019

LUGARES: Ponte S. João


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LUGARES: Ponte S. João
Open House Porto 2019
Visita comentada por Edgar Brito
29 Jun 2019 | sab | 14:30


Parte integrante do programa do Open House Porto nas últimas edições, a Ponte S. João constitui uma daquelas visitas que maior interesse suscita entre todos quantos fazem questão de não ficar de fora desta imperdível festa da Arquitectura. Sujeita a inscrição prévia nos dias que antecederam o evento, os convites esgotaram num ápice e os felizardos que, como eu, tiveram a sorte de conseguir uma inscrição, lá se apresentaram com um sorriso no rosto no alto da Rua Fonte da Rija, em Quebrantões, “em frente ao portão verde”, por debaixo duma estrutura prestes a ser desvendada em toda a sua complexidade e dimensão.

Foi já no interior de um dos pilares laterais que o arquitecto Edgar Brito se apresentou ao grupo que, de capacete de protecção devidamente colocado na cabeça, começou por o ouvir falar de uma outra ponte, a de D. Maria Pia, inaugurada a 4 de Novembro de 1877 e projectada por Théophile Seyrig e Gustave Eiffel. Baptizada em honra da rainha consorte Maria Pia de Sabóia, esta ponte é ainda hoje um marco da engenharia mundial: composta por vigas de metal, foi a primeira estrutura a considerar, na sua totalidade, os efeitos dos ventos e durante sete anos deteve o recorde de maior arco de metal do Mundo. A ponte de D. Maria Pia foi vital para o estabelecimento da rede ferroviária do País e satisfez as necessidades de ligação norte-sul durante décadas a fio. Mas os anos foram passando e a ponte começou a acusar a idade: as composições não podiam ultrapassar os 20 km/h, as cargas estavam limitadas e o facto de possuir uma via única criava enormes constrangimentos ao escoamento do tráfego ferroviário da Linha do Norte.

A meio da década de 40 do século passado começou a ser equacionada a necessidade de se avançar com a construção duma nova ponte ferroviária, mas seria necessário esperar quase cinquenta anos para vermos, finalmente, a obra concretizada. Em 1963 os Caminhos de Ferro Portugueses entregaram o projecto ao Engenheiro Edgar Cardoso, mas uma série de constrangimentos, nomeadamente em termos do financiamento duma obra orçada inicialmente em 120 milhões de escudos, acabaram por determinar que só em 1981 fosse criado o Gabinete do Nó Ferroviário do Porto, o dono da obra, e só em 1983 fosse aberto concurso internacional para a sua construção. A obra teve finalmente o seu início em Novembro de 1984 com base num consórcio, a FERDOURO, que agrupava a Sociedade de Construções Soares da Costa, a Teixeira Duarte e a OPCA, vindo a ponte a ser inaugurada a 24 de Junho de 1991, dia de S. João, três anos depois da data prevista para a sua entrada em funcionamento.


Das explicações iniciais do arquitecto Edgar Brito, ressalta o facto desta ser uma ponte de betão armado e pré esforçado, com uma estrutura em pórtico constituída por três vãos, dois laterais, de 125 metros, e um central, com 250 metros de comprimento, à data o maior do mundo no género. A estrutura principal, o tabuleiro, com 12 metros de altura, encontra-se a 66 metros do nível do rio e é oco em toda a sua extensão. Considerando os viadutos de acesso, a ponte apresenta, no total, 1.029 metros de comprimento, sendo que o viaduto de acesso à margem direita é formado por três vãos, com um total de 170 metros, e o da margem à esquerda é formado por seis vãos, com um total de 359 metros de extensão. Um aspecto interessante tem a ver com o facto de os carris assentarem directamente na laje superior de uma viga-caixão (tabuleiro) de secção trapezoidal, bicelular, e entre os carris e as vigas do bordo e do centro a plataforma ser revestida de betão poroso, um material de alta resistência e grande flexibilidade que funciona como dispositivo de frenagem em caso de descarrilamento. Outro aspecto que vale a pena referir tem a ver com o recurso a modelos experimentais, entre os quais se destaca a execução à escala natural de uma aduela de tabuleiro da ponte, no qual foram ensaiados e verificados os processos construtivos e se continuam a fazer testes para perceber o tipo de desgaste sentido pelas estruturas com o passar do tempo.


Percorrendo um dos dois corredores internos da viga caixão, os visitantes puderam perceber a complexa obra de engenharia que se esconde no coração da estrutura, nomeadamente a existência de sensores que monitorizam em tempo real o comportamento da ponte e um conjunto de cabos de aço pré-esforçado que a mantém fixa. A chegada ao pilar da margem esquerda, no início do vão central, trouxe com ela a experiência de descer para uma varanda exterior de onde se retira uma vista privilegiada de 360º sobre o casario em volta e, sobretudo, sobre a velhinha ponte D. Maria Pia. Aí se percebe o enorme contraste visual entre as duas estruturas, resultante do cuidado posto pelo Engenheiro Edgar Cardoso em entregar o protagonismo à obra de Eiffel dum ponte de vista estético e paisagístico, criando uma obra que prima pela simplicidade. Foi também neste pilar, mas no segundo corredor da viga caixão, que o grupo acedeu à base do mesmo, junto ao rio, depois da descida (e posterior subida!) de uma escadaria composta por 234 degraus. 

O regresso ao ponto de partida fez-se encetando o caminho inverso, constituindo um momento de reflexão privilegiado sobre a singularidade do projecto e da obra, mas sobretudo sobre o tremendo impacto que tiveram na qualidade do serviço ferroviário para a cidade e para as suas populações. Para quem, como eu, se lembra ainda de como se processava a travessia da Ponte D. Maria Pia e a sensação de insegurança causada por esse momento, não pode deixar de reconhecer ter sido este um marco no desenvolvimento da cidade e, de um modo geral, de toda a região norte do país. Uma última palavra para o Engenheiro Edgar Cardoso, um homem que marca a história da engenharia portuguesa no século XX, responsável por pontes tão emblemáticas como as de Mosteirô (sobre o Douro, entre Baião e Cinfães), da Figueira da Foz, da Arrábida ou a extensão da pista de aterragem do Aeroporto da Madeira. Um homem que pertence a um tempo em que a engenharia podia ser praticada com maior romantismo e liberdade, sendo a ponte S. João disso um bom exemplo, o diálogo com a Ponte de D. Maria Pia constituindo uma das marcas mais eloquentes da urbanidade portuguesa. Entre a filigrana de ferro e a “pintura” de betão, entre o sombrio metálico e uma luz branca e esguia, assistimos aqui ao diálogo entre duas pontes extraordinariamente elegantes, ainda que distantes um século entre si.

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