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CERTAME: WOOL – Festival de Arte
Urbana da Covilhã
Covilhã, vários locais
01 > 10 Jun 2019
Exemplo peculiar de uma “cidade de
montanha”, rara no urbanismo português, a Covilhã é hoje um
núcleo dos mais pulsantes de toda a região da Serra da Estrela.
Historicamente, a cidade nunca deixou de apontar caminhos ao mundo.
Foi berço de descobridores e exploradores, beneficiou da presença
duma comunidade judaica forte no seu seio e, sob a acção do Marquês
de Pombal, tornou-se no maior centro de produção de lanifícios de
todo o país. Este ascendente manteve-se ao longo de mais de dois
séculos, mas a crise dos têxteis, nos anos 90, ditou a falência de
muitas fábricas e a deslocalização de muitas outras, daí
resultando uma onda de desemprego que atingiu mais de oito milhares
de trabalhadores, sobretudo mulheres. Perante este autêntico
flagelo, a Covilhã foi obrigada a redesenhar-se, a ir em busca de
novos caminhos, a reinventar-se. A Universidade da Beira Interior –
que acolhe actualmente sete mil estudantes do mundo inteiro,
distribuídos por cinco Faculdades – foi fundamental para uma certa
dimensão cosmopolita que a cidade hoje detém. Mas depois há todo
um conjunto de iniciativas – da reabilitação urbanística ao
alojamento local, da oferta gastronómica aos eventos culturais -,
muitas delas da esfera privada, que se têm revelado determinantes
para que esta chama revivificante não esmoreça.
O WOOL – Festival de Arte Urbana da
Covilhã é uma destas iniciativas. Fruto do dinamismo e desassombro
dos irmãos Lara e Pedro Seixo Rodrigues e da espanhola Elisabet
Carceller, o certame conheceu a sua primeira edição em Novembro de
2011 e, com uma ou outra vicissitude pelo meio, chega aos nossos dias
pleno de vitalidade, continuando a somar ideias, a congregar
interesses e a cativar novos adeptos para o fascinante mundo da Arte
Urbana. Contando com os apoios do Município da Covilhã e da Águas
da Covilhã, como principais financiadores do projecto, aos quais se
somam um conjunto enorme de parceiros, a edição deste ano voltou a
convidar quatro criadores - dois nacionais e dois estrangeiros - para
enriquecerem o espólio de Arte Urbana que a cidade já possui. No
intuito de dar a conhecer melhor todo este vasto espólio e, em
particular, as novas peças, a Organização promoveu um conjunto de
Visitas Guiadas, no decurso das quais foi possível perceber que,
mais do que um Festival, o WOOL é um projecto artístico que tem
mudado a face da cidade, trazendo um novo encanto ao seu centro
histórico e, ao mesmo tempo, espalhando mensagens plenas de
significado e às quais ninguém fica indiferente.
Ciceroneada por Lara Seixo Rodrigues, a
visita começou por uma das quatro peças de grande formato que
marcaram o arranque do WOOL, em 2011, num trabalho com assinatura da ARM
Collective, de Miguel Caeiro e Gonçalo Ribeiro que joga nas
dinâmicas criadas entre a bela fachada azulejada da Igreja de Santa
Maria e um conjunto de murais que nos falam da agonia da indústria
dos lanifícios e da deslocalização de muitas fábricas para o
sudoeste asiático. Seguiu-se “Olhos de Coruja”, do hoje
mundialmente famoso Bordalo II, mas que dava em 2014 os primeiros
passos, alcançando com este trabalho – que foi considerado nesse
ano um dos 25 melhores murais a nível mundial – uma enorme
projecção. Regressando a 2011, foi possível apreciar, no Largo da
Igreja de Nossa Senhora do Rosário, o trabalho da espanhola BTOY que retrata um pastor da Serra da Estrela,
enquanto no outro lado do largo, a fachada de um edifício oferece a
visão do artista Mr. Dheo sobre a crise que tomou conta do país e
atingiu o auge em 2014, ao representar uma jovem remendando a
bandeira nacional.
O percurso prosseguiu com a apreciação
do gigantesco mural criado pelo artista espanhol KRAM, em 2012, e que
nos fala duma lenda sobre um terrível monstro, com os olhos na ponta
do nariz, que aterrorizava as populações mal caía a noite. De
seguida, tempo para ver “Covilhã Cidade Neve”, um belíssimo
trabalho de “lettering” dos HalfStudio, de 2017, inspirado no
fado com o mesmo nome de Amália Rodrigues e, a dois passos deste, o
mural do espanhol Pastel, criado no ano passado e baseado na flora
local. A caminho de outro espectacular mural, desta feita da autoria
do português Frederico Draw, também do ano passado, e que
representa o engenheiro, escritor, crítico, ensaísta e artista
plástico Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro, nascido na
Covilhã em 1932, tempo para apreciar dois trabalhos de pequeno
formato, um do holandês Pfff (2012) e outro do português Adres –
considerado por muitos como o Banksy português – de 2011 e onde se
pode ler “quando for grande quero ser feliz”. Felicidade foi o
que todos sentiram ao ver “Arrebatamento”, um trabalho do
argentino Bosoletti (2017) com um cunho marcadamente realista e
evocativo da mulher trabalhadora, que se une às outras mulheres e
juntas travam uma luta desigual contra aqueles que as exploram e
oprimem.
No regresso à Igreja de Santa Maria,
deu-se início à segunda metade da visita com a apreciação de uma
peça bordada, executada em 2018, através da qual a portuguesa
Aheneah quis homenagear a sua avó. Já na Rua das Portas do Sol,
tempo para ver a homenagem de Samina a um dos símbolos vivos da
cidade, o Sr. Viseu, operário desde criança na indústria dos
lanifícios e emblemático jogador de futebol no Sporting da Covilhã.
“Orfão Selvagem”, obra de 2014 da autoria de Tamara Alves e que
mostra uma mulher a bordar o seu próprio vestido em rendas de bilros
e “Fio Condutor”, do português Regg Salgado (2017),
representando umas mãos a coser uma peça de tecido, ocupam estrategicamente o
espaço junto ao miradouro das Portas do Sul e impressionam pela sua
dimensão e beleza. Baixando através duma vereda íngreme e muito
estreita, chega-se à Rua de S. Tiago, onde um coração
tridimensional feito de maquinaria de tecelagem, da autoria do
português Third (2017), convive com o mural Lata 65, um projecto que
traz para a rua e para o universo da Arte Urbana criadores com 65
anos de idade ou mais.
A parte final da visita é dedicada às
novas peças, mas pelo meio há ainda tempo para apreciar o notável
mural do açoriano Pantónio, inspirado no voo dos andorinhões.
Assim, a portuguesa Kruella d'Enfer dá-nos a sua visão da Covilhã
a partir da janela manuelina que orna o espaço nas traseiras do
edifício da Câmara Municipal, recorrendo aos elementos vegetalistas
que lhe são característicos e não esquecendo as estrelas, que aqui
têm um brilho certamente muito diferente daquele que têm em Lisboa.
O espanhol Sebas Velasco traz-nos um pouco da noite da Covilhã,
tanto no rosto duma jovem como nas luzes dum candeeiro que incidem
sobre um automóvel antigo. Finalmente, na escadaria que envolve a
Fonte das Três Bicas, o português Mário Belém fala-nos da água e
da sua importância na perpetuação dos ciclos vitais, através de
quatro intervenções de enorme beleza, como se de um conto ilustrado
para crianças se tratasse.
Com tanto de intensa como de
enriquecedora, a visita foi fantástica e permitiu ver a cidade com
outros olhos. Peças houve que ficaram por ver e que acabaram por se
constituir num motivo acrescido para ir mais além neste intento de
descoberta da cidade. Foi desta forma que, por “conta própria”,
visitei no edifício dos Bombeiros Voluntários da Covilhã o
trabalho de Roc Blackblock (2018) de homenagem aos soldados da paz,
apreciei as obras do belga Gijs Vanhee e do português +MaisMenos+,
vi os pequenos-formato de Mário Belém e BTOY, deliciei-me com
“Oddments”, trabalho de Add Fuel (2014) inspirado nos típicos
padrões utilizados na produção dos tecidos locais e, por fim,
observei “O Observador”, trabalho do brasileiro Douglas Pereira
feito para a edição deste ano e que “olha” para a natureza do
ponto de vista de quem a ama e preserva. Esta descrição não
ficaria completa sem a “extensão” do WOOL à cidade vizinha do
Fundão, onde tive oportunidade de apreciar belíssimos trabalhos de
Pantónio, Milu Correch, Nespoon e Bordallo II. Um luxo!
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