TEATRO: “Sopro”,
de Tiago Rodrigues
Texto e encenação | Tiago
Rodrigues
Cenografia e desenho de luz | Thomas
Walgrave
Figurinos | Aldina Jesus
Sonoplastia e operação de som |
Pedro Costa
Interpretação | Cristina Vidal,
Isabel Abreu, Romeu Costa, Vítor Roriz, Beatriz Brás e Sofia Dias
Produção | Teatro Nacional D.
Maria II
Teatro Nacional S. João
16 Jun 2019 | dom | 16:00
A peça chega ao fim e o aplauso do
público, de princípio tímido, faz-se agora ouvir com força.
Levanto-me do lugar de um pulo e junto o meu ao aplauso geral que ecoa pela sala. Tenho os
olhos embaciados. Quero dizer algo mas o nó na garganta, apertado,
torturante, impede-mo. Os actores regressam uma segunda vez ao palco
para agradecer a ovação que se prolonga. E então lá sai, estranho
e rouco, quase indistinto, um muito emocionado “bravo”. Vem isto
a propósito de “Sopro”, com texto e encenação de Tiago
Rodrigues, uma peça estreada no prestigiado Festival de Avignon em
Julho de 2017 e que chega agora ao Teatro Nacional de S. João, onde
irá permanecer até ao próximo sábado.
É do ponto, essa espécie em vias de
extinção, que nos fala “Sopro”. Serve-se, para tanto, das
histórias e memórias de Cristina Vidal, que sai da sombra ao fim de
quatro décadas como ponto profissional no Teatro Nacional D. Maria
II, oferecendo a palidez da sua pele às luzes e ao público.
Obedecendo a um desígnio inerente à sua profissão – “a
discrição do ponto deve ser proporcional à indiscrição do actor”
-, ela consegue o “milagre” de passar incógnita no seio dos restantes actores,
apesar de ser o denominador comum de todas as sequências, o único
elemento em palco da primeira à última fala. Para tanto beneficia
dum texto escrito com uma sensibilidade e uma doçura que é, em si
mesmo, um hino ao teatro.
Mas se o texto é – já o disse –
uma preciosa pérola, ressumando teatro por todos os poros, espalhando pelo palco Sófocles e Ésquilo,
Tchekhov e Molière, Racine e António Patrício, é em Cristina
Vidal que repousam o olhar e a atenção do público. No seu desempenho, está o
desempenho de todos aqueles que, no palco como na vida, trabalham na
sombra, fazendo-o de forma árdua e abnegada porque amam aquilo que
fazem. Resgatando o conhecimento, a sabedoria e o afecto que há no
ofício de ponto, ela é ponto e contra-regra, encenadora quando é
preciso sê-lo, mas também amiga e confidente, alguém que está
sempre ali, com quem se pode sempre contar, uma presença que é, em si mesma, uma segurança para qualquer actor.
Podia falar deste espectáculo
interminavelmente, da enorme dimensão humana do texto, da solução
cénica de colocar três pontos e não um em palco, de como nas
marcações há todo um sofisticado enredo coreográfico, das
situações mais burlescas e que arrancam ao público saborosas
gargalhadas, de como o desenho de luzes é um espectáculo dentro do
espectáculo, escondendo sem esconder Cristina Vidal ou desse
momento, já perto do final, em que a sequência de frases sopradas
adquire uma dimensão épica. Fico-me por Cristina Vidal. Com
Cristina Vidal. Penso em como o espectador de teatro – o
verdadeiro, o que ama o teatro - se está a tornar também numa
espécie em vias de extinção. Então volto-me e confirmo aquilo que há muito tempo sei. Ao meu lado caminha uma Cristina Vidal, um ponto que me acompanha e que estará
sempre ali para me soprar a frase certa quando a “branca” surgir.
Entretanto, o teatro vai-se desmoronando e o vento, impiedoso e
agreste, assobia cada vez com mais força através das brechas cavadas na minha existência!
[Foto: Christophe Raynaud de Lage |
pontosj.pt]
Sem comentários:
Enviar um comentário