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sábado, 4 de maio de 2019

TEATRO: "Para Vós"




TEATRO: “Para Vós”
Criação e Direcção Artística | Claudia Andrade
Interpretação | Claudia Andrade e sete seniores
Apoio à Encenação | Montse Bonet
Apoio à Dramaturgia | Joana Bértholo
Direção de Produção | São Correia
Vídeo e Registo Fotográfico | Patrícia Poção
Figurinos | Ruy Malheiro
Produção | A Caravana – Associação Cultural
Centro de Artes de Ovar
03 Mai 2019 | sex | 22:00


“Ó minha mãe deixe-me ir à barra ver o farol
Que eu vou lá e torno a vir na carroça do pitrol”

Separados entre si por mais de 8.000 quilómetros, Goa e Canelas, no concelho de Estarreja, são os pontos de partida duma história autobiográfica, contada na primeira pessoa por Cláudia Andrade e tendo como foco a avó Alice e a avó Maria. Trata-se duma peça sobre os lugares da memória, reclamando para o presente um passado que não se encontra escrito em lado nenhum, simplesmente habita algures na memória. É, assim, um olhar sobre as memórias das avós, que não apenas as da criadora deste espectáculo, mas de todas as avós cujas histórias se foram desvendando ao longo dum exaustivo processo de recolha e criação artística, finalmente agregadas neste impactante “Para Vós”.

“Porque é que a família não se voltou a sentar toda à mesma mesa depois que a avó morreu?” Ao falar das suas avós, Cláudia Andrade abre as portas da memória do espectador, convidando-o a avaliar a dimensão afectiva dos laços que o prendem àqueles que o antecederam, através dum conjunto de questões transversais à generalidade das famílias. Dos acontecimentos históricos aos pequenos episódios domésticos - as cantigas de outrora, as sanguessugas agarradas às pernas na monda do arroz, as lendas e mitos que a própria memória ajuda a alimentar -, é todo um processo de “recuperação do tempo” que flui por intermédio da própria memória e que resulta naquilo que são os traços identitários de cada um.

Assente numa dramaturgia com tanto de simples como de eficaz, “Para Vós” lança ainda em palco sete não-actrizes, todas elas séniores do concelho de Ovar, reforçando o cunho realista da peça ao enriquecerem-na com as suas próprias histórias e memórias. Ficar viúva e ter de começar a vida de novo, emigrar para França nos idos de 1968, aprender a nadar no Centro Português de Caracas, entrar para a função pública e receber uma casa, dar dois contos do primeiro ordenado aos pais e ficar com 750$00 para si, regressar em 1975 numa ponte aérea ou o nascimento do primeiro neto são alguns dos factos marcantes da vida destas avós, partilhados com toda a naturalidade e dispostos num “estendal de estórias” comovente e sensível. Entre a memória e o coração, “Para Vós” é um cântico terno e delicado em forma de teatro, daqueles que nos põem um brilhozinho nos olhos e nos aquecem a alma.

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