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sexta-feira, 19 de abril de 2019

LIVRO: "AvóDezanove e o Segredo do Soviético"



LIVRO: “AvóDezanove e o Segredo do Soviético”,
de Ondjaki
Ed. Editorial Caminho, 2008 (2ª edição, Outubro de 2009)


“Quando somos crianças o mundo fica bonito de repente”

No olhar das crianças, há essa imensa capacidade de ver muitas vezes o mundo como um lugar bonito. Mundo deste livro, o bairro da Praia do Bispo é um desses lugares tornados bonitos pelo olhar de uma criança. O tempo, esse, é o da Luanda dos anos 80, numa altura em que se arrasta a terrível guerra civil que desfigurou Angola. Porventura, nesta esfera dissonante e contraditória, residirá o que de mais fascinante há em “AvóDezanove e o Segredo do Soviético”: o contraste entre a lógica infantil e o ambiente hostil que se pressente por detrás da narrativa, a fantasia como forma de lidar com a realidade e exorcizar os muitos fantasmas que assomam do conflito.

Em “AvóDezanove e o Segredo do Soviético”, Ondjaki viaja à terra das suas infâncias, regressando prenhe de amigos, momentos, episódios, cheiros, linguagens. Conexões afectivas que não pode evitar e que nos são apresentadas sob a forma de memórias inventadas. Tal como a própria infância do escritor, tudo aqui é riso, escola, brincadeira, família, praia. Mas também Luanda, cubanos, soviéticos e tugas, o Mausoléu, as guerras, as tensões. E uma AvóAgnette com uma curiosa particularidade anatómica, também um maluco de nome EspumaDoMar e ainda um pescador com um BarcoÍris. Questões reais, depois ficcionadas e finalmente tratadas na lógica infantil das crianças, da qual emergem duas prioridades: a resolução imediata dos seus problemas e a fantasia.

É verdade que as pessoas procuram os livros mas não é menos verdade que há livros que encontram determinadas pessoas. “AvóDezanove e o Segredo do Soviético” encontrou-me. Nele reconheci a alegria e a tristeza, a utopia e o desencanto, a noite e o dia, o medo e a coragem. Com ele entrevi a linguagem de Luanda, as inúmeras palavras que estão constantemente a ser inventadas, o “botardov”, o “medalhov”, o “birô” político e um certo “tupariov” que me fez rir a bandeiras despregadas. Então reaprendi que, pelos olhos das crianças, o que é hostil, simplesmente, passa a ser doce, criativo, divertido. E voltei a ser criança!

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