LIVRO: “AvóDezanove e o Segredo do Soviético”,
de Ondjaki
Ed. Editorial Caminho, 2008 (2ª
edição, Outubro de 2009)
“Quando somos crianças o
mundo fica bonito de repente”
No olhar das crianças, há
essa imensa capacidade de ver muitas vezes o mundo como um lugar
bonito. Mundo deste livro, o bairro da Praia do Bispo é um desses
lugares tornados bonitos pelo olhar de uma criança. O tempo, esse, é
o da Luanda dos anos 80, numa altura em que se arrasta a terrível
guerra civil que desfigurou Angola. Porventura, nesta esfera
dissonante e contraditória, residirá o que de mais fascinante há
em “AvóDezanove e o Segredo do Soviético”: o contraste entre a
lógica infantil e o ambiente hostil que se pressente por detrás da
narrativa, a fantasia como forma de lidar com a realidade e exorcizar
os muitos fantasmas que assomam do conflito.
Em “AvóDezanove
e o Segredo do Soviético”, Ondjaki viaja à terra das suas
infâncias, regressando prenhe de amigos, momentos, episódios,
cheiros, linguagens. Conexões afectivas que não pode evitar e que
nos são apresentadas sob a forma de memórias inventadas. Tal como a
própria infância do escritor, tudo aqui é riso, escola,
brincadeira, família, praia. Mas também Luanda, cubanos, soviéticos
e tugas, o Mausoléu, as guerras, as tensões. E uma AvóAgnette com
uma curiosa particularidade anatómica, também um maluco de nome
EspumaDoMar e ainda um pescador com um BarcoÍris. Questões reais,
depois ficcionadas e finalmente tratadas na lógica infantil das
crianças, da qual emergem duas prioridades: a resolução imediata
dos seus problemas e a fantasia.
É verdade que as pessoas
procuram os livros mas não é menos verdade que há livros que
encontram determinadas pessoas. “AvóDezanove e o Segredo do
Soviético” encontrou-me. Nele reconheci a alegria e a tristeza, a
utopia e o desencanto, a noite e o dia, o medo e a coragem. Com ele
entrevi a linguagem de Luanda, as inúmeras palavras que estão
constantemente a ser inventadas, o “botardov”, o “medalhov”,
o “birô” político e um certo “tupariov” que me fez rir a
bandeiras despregadas. Então reaprendi que, pelos olhos das
crianças, o que é hostil, simplesmente, passa a ser doce, criativo,
divertido. E voltei a ser criança!
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