CINEMA: “Diamantino”
Realização | Gabriel Abrantes,
Daniel Schmidt
Argumento | Gabriel Abrantes, Daniel
Schmidt
Fotografia | Charles Ackley Anderson
Montagem | Gabriel Abrantes,
Raphaëlle Martin-Holger, Daniel Schmidt
Interpretação | Carloto Cotta,
Cleo Tavares, Anabela Moreira, Margarida Moreira, Carla Maciel, Chico
Chapas, Joana Barrios, Maria Leite, Manuela Moura Guedes
Produção | Maria João Mayer,
Justin Taurand, Daniel van Hoogstraten
Portugal, Brasil, França | 2018 |
Comédia, Drama, Fantasia | 96 minutos | M/14
UCI Arrábida 20 | Sala 8
05 Abr 2019 | sex | 14:00
As primeiras imagens de “Diamantino”
mostram que estamos perante uma fantasia de dimensões enormes. O
protagonista do filme apresenta-se como o melhor jogador de futebol
do mundo, o homem que pode devolver a Portugal e aos portugueses a
sua auto-estima se marcar o penalty assinalado a um minuto dos 90
duma final do Campeonato do Mundo contra as “hienas” da Suécia,
um verdadeiro artista da bola que, quando varre o campo com a sua
magia, se imagina rodeado de cachorrinhos gigantes felpudos envoltos
numa névoa espessa de cor rosa-choque. E que, bem lá no fundo, é
uma pessoa tremendamente ingénua, a bondade à flor da pele, sem
defesas contra as duas irmãs “tinhosas” que o manipulam a seu
bel-prazer e que, sob a capa do bem, vão tirando partido e
dividendos da forma de ser e de estar do futebolista.
Na sua aparente simplicidade e
inocência, a história de “Diamantino” parece obedecer a
propósitos bem mais complexos, na tentativa de denunciar alguns dos
males de que padece o mundo actual. Da crise dos refugiados ao
“brexit” (neste caso ao “portuguexit”), dos paraísos fiscais
à crise económica em Portugal, aos avanços biotecnológicos ou à
identidade de género, são vários temas que se fundem numa trama
que, afinal, pode ser bem mais séria do que parece. Aqui reside,
talvez, o grande mérito do filme, ao tratar assuntos tão sérios de
forma propositadamente desordenada e superficial, tal como acontece
no dia a dia, as televisões a banalizarem as notícias, o espectador
mais interessado no acto individual do homem que, de lágrimas nos
olhos, se prepara para adoptar um refugiado, do que nos milhares de
refugiados que todos os anos têm o Mediterrâneo por cemitério
(notável o momento da entrevista televisiva de Gisele, leia-se “Manuela Moura Guedes”, a Diamantino).
Hoje as nossas preocupações podem
estar em mais um sobrinho ou um primo do ministro nomeado para
secretário de estado, amanhã são as consequências do ciclone Idai
que nos fazem lançar um olhar sobre Moçambique e passados alguns
dias será a injecção de mais uma mão cheia de milhares de milhões
de euros na enésima ajuda ao Novo Banco. Os temas bailam-nos na
cabeça ao sabor de interesses obscuros e de agendas políticas que
nos impõem, as mais das vezes assentes em falsidades. Perante isto,
acabamos por evidenciar uma tremenda hipocrisia, escudando-nos na
nossa “sanidade mental” ao recusar ver o problema como um todo e
julgando que apenas uma parte nos toca, quiçá aquela que menos
problemas de consciência acarreta se a “enxotarmos” para o lado
no momento seguinte. Não tenho a certeza se é no sentido do
“abanão” que se desenvolve a narrativa de “Diamantino” ou se
não estaremos apenas perante uma comédia sem outros objectivos que
não os de explorar a imaginação até ao limite da bizarria. Resta
a consolação de saber que, no final, caberá sempre ao espectador a
escolha de se quedar pela rama de um filme que pouco mais terá para
oferecer do que um belíssimo par de gargalhadas, ou ir mais longe,
encontrando sentido para esta hora e meia de filme no mais fundo de
si mesmo.
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