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sábado, 6 de abril de 2019

CINEMA: "Diamantino"



CINEMA: “Diamantino”
Realização | Gabriel Abrantes, Daniel Schmidt
Argumento | Gabriel Abrantes, Daniel Schmidt
Fotografia | Charles Ackley Anderson
Montagem | Gabriel Abrantes, Raphaëlle Martin-Holger, Daniel Schmidt
Interpretação | Carloto Cotta, Cleo Tavares, Anabela Moreira, Margarida Moreira, Carla Maciel, Chico Chapas, Joana Barrios, Maria Leite, Manuela Moura Guedes
Produção | Maria João Mayer, Justin Taurand, Daniel van Hoogstraten
Portugal, Brasil, França | 2018 | Comédia, Drama, Fantasia | 96 minutos | M/14
UCI Arrábida 20 | Sala 8
05 Abr 2019 | sex | 14:00


As primeiras imagens de “Diamantino” mostram que estamos perante uma fantasia de dimensões enormes. O protagonista do filme apresenta-se como o melhor jogador de futebol do mundo, o homem que pode devolver a Portugal e aos portugueses a sua auto-estima se marcar o penalty assinalado a um minuto dos 90 duma final do Campeonato do Mundo contra as “hienas” da Suécia, um verdadeiro artista da bola que, quando varre o campo com a sua magia, se imagina rodeado de cachorrinhos gigantes felpudos envoltos numa névoa espessa de cor rosa-choque. E que, bem lá no fundo, é uma pessoa tremendamente ingénua, a bondade à flor da pele, sem defesas contra as duas irmãs “tinhosas” que o manipulam a seu bel-prazer e que, sob a capa do bem, vão tirando partido e dividendos da forma de ser e de estar do futebolista.

Na sua aparente simplicidade e inocência, a história de “Diamantino” parece obedecer a propósitos bem mais complexos, na tentativa de denunciar alguns dos males de que padece o mundo actual. Da crise dos refugiados ao “brexit” (neste caso ao “portuguexit”), dos paraísos fiscais à crise económica em Portugal, aos avanços biotecnológicos ou à identidade de género, são vários temas que se fundem numa trama que, afinal, pode ser bem mais séria do que parece. Aqui reside, talvez, o grande mérito do filme, ao tratar assuntos tão sérios de forma propositadamente desordenada e superficial, tal como acontece no dia a dia, as televisões a banalizarem as notícias, o espectador mais interessado no acto individual do homem que, de lágrimas nos olhos, se prepara para adoptar um refugiado, do que nos milhares de refugiados que todos os anos têm o Mediterrâneo por cemitério (notável o momento da entrevista televisiva de Gisele, leia-se “Manuela Moura Guedes”, a Diamantino).

Hoje as nossas preocupações podem estar em mais um sobrinho ou um primo do ministro nomeado para secretário de estado, amanhã são as consequências do ciclone Idai que nos fazem lançar um olhar sobre Moçambique e passados alguns dias será a injecção de mais uma mão cheia de milhares de milhões de euros na enésima ajuda ao Novo Banco. Os temas bailam-nos na cabeça ao sabor de interesses obscuros e de agendas políticas que nos impõem, as mais das vezes assentes em falsidades. Perante isto, acabamos por evidenciar uma tremenda hipocrisia, escudando-nos na nossa “sanidade mental” ao recusar ver o problema como um todo e julgando que apenas uma parte nos toca, quiçá aquela que menos problemas de consciência acarreta se a “enxotarmos” para o lado no momento seguinte. Não tenho a certeza se é no sentido do “abanão” que se desenvolve a narrativa de “Diamantino” ou se não estaremos apenas perante uma comédia sem outros objectivos que não os de explorar a imaginação até ao limite da bizarria. Resta a consolação de saber que, no final, caberá sempre ao espectador a escolha de se quedar pela rama de um filme que pouco mais terá para oferecer do que um belíssimo par de gargalhadas, ou ir mais longe, encontrando sentido para esta hora e meia de filme no mais fundo de si mesmo.

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