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sábado, 6 de abril de 2019

TEATRO: "O Resto Já Devem Conhecer do Cinema"



TEATRO: “O Resto Já Devem Conhecer do Cinema”,
de Martin Crimp, a partir de “Fenícias”, de Eurípedes
Encenação | Nuno Carinhas e Fernando Mora Ramos
Figurinos e cenografia | Nuno Carinhas
Interpretação | Isabel Lopes, João Cardoso, Sara Barros Leitão, António Parra, Fábio Costa, Fernando Mora Ramos, Jorge Mota, Joana Carvalho, Manuel Petiz, Ana Cunha, Pedro Frias, Carlos Borges e Mafalda Taveira, Maria Luis Cardoso, Marta Taveira, Sofia Guimarães
Produção | TNSJ
120 Minutos | M/12
Teatro Nacional de S. João
03 Abr 2019 | qua | 19:00


“Que filme é que vocês projectam incessantemente no cinema deserto da minha mente?”


“Fenícias”, de Eurípedes, é o ponto de partida para “O Resto Já Devem Conhecer do Cinema”, peça escrita em 2012 por Martin Crimp e que pode ser vista por estes dias no Teatro Nacional de S. João, numa encenação de Nuno Carinhas e Fernando Mora Ramos. A peça situa-se numa parte da história de Édipo, na altura em que se trava a luta pela cidade de Tebas. Sabendo-se amaldiçoados por Édipo, os seus dois filhos, Etéocles e Polinices, fazem um pacto para governarem Tebas alternadamente e, assim, escaparem à morte que lhes está prometida. Mas Etéocles rompe o pacto e dá-se início a uma terrível guerra que culminará com a morte dos dois irmãos, ante os olhos da mãe, Jocasta, que em seguida se suicida. Entra-se então no território mais familiar de Édipo e Antígona, mas “o resto já devem conhecer do cinema”.

Quando um texto se desdobra de sentidos, por camadas e planos horizontais e transversais, explícitos e ocultos, imersos na massa textual, torna-se impossível fixá-lo numa fórmula. Aqui, esse desdobrar é logo reflexo de um jogo com os tempos, de uma aposta na heterocronia que, comparando de modo audível / visível / legível tempos e sentidos, vê a marcha da história como o contrário de uma narrativa de progresso. Caminhamos para o fim, como tudo na vida, isso parece ser claro. O que significa que caminhamos para a hipótese de um novo começo, de novos começos, provavelmente depois de nova catástrofe global.

Em “O Resto Já Devem Conhecer do Cinema”, a grande pergunta (a peça é na forma um longo enigma) é sobre a natureza do humano entre a resposta da genética e os acontecimentos da história, entre o animal que se quer libertar da fera em direcção à racionalidade que supostamente determina o humano e os feitos sistémicos das guerras associadas à economia, à pilhagem de recursos, aos modos de escravizar o outro. Misturando o mito antigo com a necessidade de mediar a nossa realidade, o mundo global em que vivemos, Crimp assume um permanente diálogo entre o arcaico e o agora. E o agora tem muito que ver com a frase final da peça, uma pergunta, o que não é inocente: “Que filme é que vocês projectam incessantemente no cinema deserto da minha mente?” Talvez a resposta se encontre na forma como a peça consegue envolver o espectador naquilo que acabou de ver.

[Foto: Paulo Pimenta / publico.pt]

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