CONCERTO: Gisela João
Centro de Artes de Ovar
27 Jan 2019 | Dom | 18:00
Em horário pouco habitual, a sala de
espectáculos do Centro de Artes de Ovar encheu-se de um público
caloroso e entusiasta para receber a voz e a presença de Gisela
João, reconhecidamente uma das maiores intérpretes de fado da
actualidade. Acompanhada por Bernardo Romão (guitarra), Francisco
Gaspar (baixo) e Nélson Aleixo (viola), a artista não frustrou as
expectativas e, entre fados, viras e malhões, ofereceu uma hora e
meia de arrebatamento e paixão, cantando uma música que é tão
nossa num jeito que é tão seu. À semelhança de outros fadistas
desta fantástica nova geração, Gisela João consegue esse milagre
da simbiose perfeita entre a autenticidade da tradição e o toque de
modernidade, o que faz com que o fado seja hoje tão apetecível. Mas
algo a distingue dos demais e isso está na forma emotiva como canta,
como se despe de formalismos e é capaz de deixar a pele em palco, os
poemas como gritos de dor ou agonia, de raiva ou desespero.
Num alinhamento gordo de dezanove temas
– dois dos quais puramente instrumentais -, a fadista de Barcelos
privilegiou de igual modo o repertório dos dois álbuns que gravou
até ao momento, com três excepções que constituíram uma
revisitação dos saudosos temas “O Pezinho”, “Fado Tango” ou
“A Minha Casinha” - ou, se quisermos, das saudosas vozes que os
popularizaram, a eterna Amália, Fernando Farinha e Milu (já sei que
a gente mais nova vai protestar se eu não falar nos Xutos &
Pontapés a propósito desta última mas... o seu a seu dono).
“Labirinto ou Não Foi Nada” e “O Mundo é um Moinho”, o
lindíssimo tema composto pelo cantor e compositor de samba Cartola,
abriram o concerto, seguindo-se “Não Venhas Tarde”, “O Senhor
Extraterrestre” e “Sou Tua”, três monumentos ao fado e que
estão fortemente ligados às figuras de Carlos Ramos, Amália (ainda
e sempre) e Maria da Fé. Entretanto, Gisela João ia falando da sua
relação com Maria da Fé e lembrando que “Sou Tua” foi gravado
pela fadista aos 15 anos numa loja de electrodomésticos da Rua de
Santa Catarina, no Porto – isto já depois de ter “levado a
leilão” o guitarrista Bernardo Romão com uma base de licitação
de vinte euros, o que arrancou saborosas gargalhadas entre a
assistência.
A segunda parte do concerto foi de contrastes, Gisela João a deixar para esta altura
quatro dos seus mais belos fados - “Fado Para Esta Noite”,
“Voltaste”, “Madrugada Sem Sono” e “Antigamente” -, as
emoções à flor da pele, um frémito a arranhar a alma. Mas também
a provar ser minhota e nortenha de corpo e alma e a fazer desfilar
“Malhões e Vira” (ou talvez seja mais correcto dizer “Viras e
Malhão”, de tal forma a cantora trocou as voltas a este animado
“medley”), “Noite de São João”, com letra da rapper
portuense Capicua, e “Bailarico Saloio”, esta última a fechar o
concerto num “encore” quase regateado. Gisela João fica agarrada
ao coração de quem a escuta e certamente ficou no coração das
gentes de Ovar. Quem poderia imaginar que uma mulher assim, pequenina e
franzina, seria capaz de trazer dentro do peito tanta voz, tanta força, tanta paixão? Mas
isto é como se escutou no poema de um dos fados que interpretou:
“Por muito que se disser / O Fado é canção bairrista / Não é
fadista quem quer / Mas sim quem nasceu fadista”.
Sem comentários:
Enviar um comentário