Páginas

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

CONCERTO: Gisela João



CONCERTO: Gisela João
Centro de Artes de Ovar
27 Jan 2019 | Dom | 18:00


Em horário pouco habitual, a sala de espectáculos do Centro de Artes de Ovar encheu-se de um público caloroso e entusiasta para receber a voz e a presença de Gisela João, reconhecidamente uma das maiores intérpretes de fado da actualidade. Acompanhada por Bernardo Romão (guitarra), Francisco Gaspar (baixo) e Nélson Aleixo (viola), a artista não frustrou as expectativas e, entre fados, viras e malhões, ofereceu uma hora e meia de arrebatamento e paixão, cantando uma música que é tão nossa num jeito que é tão seu. À semelhança de outros fadistas desta fantástica nova geração, Gisela João consegue esse milagre da simbiose perfeita entre a autenticidade da tradição e o toque de modernidade, o que faz com que o fado seja hoje tão apetecível. Mas algo a distingue dos demais e isso está na forma emotiva como canta, como se despe de formalismos e é capaz de deixar a pele em palco, os poemas como gritos de dor ou agonia, de raiva ou desespero.

Num alinhamento gordo de dezanove temas – dois dos quais puramente instrumentais -, a fadista de Barcelos privilegiou de igual modo o repertório dos dois álbuns que gravou até ao momento, com três excepções que constituíram uma revisitação dos saudosos temas “O Pezinho”, “Fado Tango” ou “A Minha Casinha” - ou, se quisermos, das saudosas vozes que os popularizaram, a eterna Amália, Fernando Farinha e Milu (já sei que a gente mais nova vai protestar se eu não falar nos Xutos & Pontapés a propósito desta última mas... o seu a seu dono). “Labirinto ou Não Foi Nada” e “O Mundo é um Moinho”, o lindíssimo tema composto pelo cantor e compositor de samba Cartola, abriram o concerto, seguindo-se “Não Venhas Tarde”, “O Senhor Extraterrestre” e “Sou Tua”, três monumentos ao fado e que estão fortemente ligados às figuras de Carlos Ramos, Amália (ainda e sempre) e Maria da Fé. Entretanto, Gisela João ia falando da sua relação com Maria da Fé e lembrando que “Sou Tua” foi gravado pela fadista aos 15 anos numa loja de electrodomésticos da Rua de Santa Catarina, no Porto – isto já depois de ter “levado a leilão” o guitarrista Bernardo Romão com uma base de licitação de vinte euros, o que arrancou saborosas gargalhadas entre a assistência.

A segunda parte do concerto foi de contrastes, Gisela João a deixar para esta altura quatro dos seus mais belos fados - “Fado Para Esta Noite”, “Voltaste”, “Madrugada Sem Sono” e “Antigamente” -, as emoções à flor da pele, um frémito a arranhar a alma. Mas também a provar ser minhota e nortenha de corpo e alma e a fazer desfilar “Malhões e Vira” (ou talvez seja mais correcto dizer “Viras e Malhão”, de tal forma a cantora trocou as voltas a este animado “medley”), “Noite de São João”, com letra da rapper portuense Capicua, e “Bailarico Saloio”, esta última a fechar o concerto num “encore” quase regateado. Gisela João fica agarrada ao coração de quem a escuta e certamente ficou no coração das gentes de Ovar. Quem poderia imaginar que uma mulher assim, pequenina e franzina, seria capaz de trazer dentro do peito tanta voz, tanta força, tanta paixão? Mas isto é como se escutou no poema de um dos fados que interpretou: “Por muito que se disser / O Fado é canção bairrista / Não é fadista quem quer / Mas sim quem nasceu fadista”.

Sem comentários:

Enviar um comentário