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terça-feira, 9 de outubro de 2018

LIVRO: "O Centro do Mundo"



LIVRO: “O Centro do Mundo”,
de Ana Cristina Leonardo
Edição | Lúcia Pinho e Melo
Quetzal Editores, Junho de 2018


Nos seus usos e costumes, nas suas gentes, em tudo aquilo que a torna peculiar e única, notável pelos melhores ou piores motivos, Olhão, como qualquer outra terra, sempre terá um par de originais e interessantes histórias para contar. Se foi este o ponto de partida para o primeiro romance de Ana Cristina Leonardo, “O Centro do Mundo”, não o sabemos. Sabemos, isso sim, que naquela história que atravessa um par de décadas e nos fala de Boris Skossyreff - um trampolineiro russo que se faz passar por aristocrata e, na sua rota de imposturices, acaba por tropeçar em Olhão -, a autora faz questão de nos apresentar a cidade onde nasceu.

O livro fala, pois, de Boris Skossyreff, pequena personagem à margem da grande História. Burlão em terras de Sua Majestade, mulherengo em França e nas Américas, injectado de sangue azul na Holanda, rei de Andorra por uma semana, enfastiado em Olhão à espera de um barco que o leve a Marrocos e espião do lado dos alemães, quase viu o curso da sua vida atribulada chegar ao fim nos gulags da Sibéria, aos quais acabaria por sobreviver. Mas o que é isto, se comparado com o título de Campeão de Portugal do Sporting Olhanense, nos idos de 1924, depois de bater o Porto por quatro a dois, a “ubiquidade inverosímil” do Tamanqueiro a fazer toda a diferença? Ou do salto de Manny Zorra para os States, onde emprestaria engenho e astúcia aos homens de Al Capone? Ou dos quatro que se meterem num caíque até Odessa, “quatro mil e quinhentos quilómetros por terra, quase duas mil e quinhentas milhas por mar”, para ir buscar cereal? Ou desse título de “Vila da Restauração”, concedido à Vila de Olhão pelo Príncipe Regente, futuro rei D. João VI, num gesto de agradecimento pelos valorosos serviços prestados na luta contra os franceses?

É na arte do saber contar uma história que Ana Cristina Leonardo se distingue, emprestando ao seu romance de estreia uma identidade própria que faz dele um objecto inteligente e particularmente divertido. Desenhada a partir dum conjunto de elipses que se vão sucedendo em torno das diatribes deste russo, a narrativa mostra-se “verborreica”, alinhavando uma sequência de peripécias que estão para o livro como o “corridinho” está para a música tradicional do Algarve. Tudo isto com enorme graça e mimetizando, frequentemente, o linguajar daquelas gentes. De Boris Skossireff, um verdadeiro oportunista e mestre na arte da sobrevivência, não rezará a História. Por via da ficção, todavia, Olhão ganhou uma personagem, para juntar ao galarim da história. Todos saímos a ganhar com isso!

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