CONCERTO: Elisa Rodrigues
Sons no Património
Casa-Museu Marta Ortigão Sampaio,
Porto
28 Set 2018 | sex | 18:00
É sexta feira e mais uma semana de
trabalho chega ao fim. O trânsito rasga com fúria a Rua de Nossa
Senhora de Fátima em ambos os sentidos mas ali, nos jardins da
Casa-Museu Marta Ortigão Sampaio, tudo é tranquilidade. As pessoas instalam-se sem pressas à medida que vão chegando e reparam na magnífica e centenária magnólia que abriga sob os seus ramos um
palco improvisado pronto a receber Elisa Rodrigues. Sopra uma fresca
brisa neste final de tarde, como que a querer lembrar-nos que o
Outono já chegou. De súbito, o silêncio faz-se maior e uma voz
irrompe, serena, límpida, poderosa, no meio de todo aquele verde. Sem
acompanhamento. “Just Start a Fire” faz-se escutar, remetendo
para os espirituais negros, para os cânticos de trabalho na vastidão
dos campos de algodão do Mississippi ou do Alabama, as palavras
fortíssimas - “(...) and this war is an illusion, nobody ever won
/ so start a fire” - a marcarem o início dum concerto que viria a
ser uma revelação.
A este tema – que é também a faixa
de abertura do seu segundo álbum, “As Blue As Red”, editado este ano -, seguiu-se “Run”, do álbum de estreia “Heart Mouth
Dialogues” (2011). Esta alternância entre os seus álbuns
manter-se-ia apenas nos dois temas seguintes, primeiro com “Little
Heart”, escrito por Joana Espadinha e depois com o fabuloso
“Ain't no Sunshine”, aqui numa nova roupagem, a fazer vir ao de
cima o potencial duma voz que parece ter um pedacinho do fascínio de
Liza Minelli, da sensualidade de Marilyn Monroe e do carisma de Doris
Day. A partir daqui só deu “As Blue As Red”, a cantora a interpretar as restantes nove faixas do álbum, todo ele de originais à excepção de “If You Could Read My Mind”, canção de 1970 do canadiano Gordon Lightfoot, da qual Johnny Cash gravou uma versão única e arrebatadora, já na fase final da sua carreira.
Desta parte do concerto, com tanto de azul como de vermelho, gostaria de destacar “Words”, um
tema duma beleza esmagadora escrito a meias com Luisa Sobral, a
guitarra de João Firmino a servir de contraponto perfeito à voz de
Elisa Rodrigues, música e letra a transportarem-nos para oásis
distantes, paraísos de calma e felicidade. “In and Around You”,
o primeiro single deste novo disco, é igualmente uma delícia,
assim como “Other Men”, o contrabaixo de Martim Torres a vir ao
de cima, a cantora a puxar pela sua veia fadista. Há ainda
“Pontinho” - “e quando o dia vem / e deixo de o ver bem /
cresce enfim em mim / brilha lá no céu / um pontinho que é meu /
não dou a ninguém” -, como uma canção de embalar, uma composição preciosa de Luisa Sobral,
interpretada de forma emotiva, sensível e plena de ternura por Elisa
Rodrigues, a lembrar-nos aqueles que, mesmo tão longe, estão sempre
connosco. Tudo termina em apoteose com “Justine”, tema escrito
igualmente a meias com Luisa Sobral - “cause I'm waiting for / my
love to come / and make me dance / oh I know that she is my only
chance” - o final mais que perfeito para um concerto fantástico.
Uma última palavra para a banda que
acompanhou a cantora – Margarida Campelo nos teclados e na voz,
João Firmino na guitarra, Martim Torres no contrabaixo e no baixo e
Alexandre Alves na bateria -, consistente e particularmente sóbria,
a deixar todo o espaço à voz da cantora e a surgir no momento certo
em apontamentos individuais de elevado nível. É possível que,
“nesta altura do campeonato”, Elisa Rodrigues não dispense
apresentações. Por aquilo que mostrou, porém, não tardará muito
a conseguir impor-se como uma das nossas maiores vozes que já o é.
Vale a pena estar atentos!
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