LIVRO: “Uma Senhora Nunca”,
de Patrícia Müller
Ed. Quetzal Editores, Abril de 2016
Inspirado nas longas conversas com a
avó da autora, “Uma Senhora Nunca” narra a história de Maria
Laura, “uma senhora desde que nasceu”, servida por um batalhão
de criadas, assumindo o papel que lhe compete ao comando do lar,
dando ordens e impondo a sua lei num reduto que é seu, do marido
guardando a distância devida, ao pai ligada de forma doentia, o amor
por Cristo, com Cristo e em Cristo à flor da pele. E revelando
aquilo que uma senhora nunca deve fazer, nem sequer imaginar.
Podia ser mais uma variação sobre o
tema da divisão social de classes mas “Uma Mulher Nunca” vai
muito além disso. Embrenhando-se na figura de Maria Laura, a autora
constrói e mantém, de forma complexa, um ambiente de tensão
subterrânea que nos leva ao encontro das públicas virtudes, mas
também dos vícios privados, desta mulher que parece arrastar nela
uma carga genética de emoções, tragédias, amarguras e
contradições. A apresentação retrospectiva da mãe e da avó de
Maria Laura, mas também da sua filha, Lucinda, confronta o leitor
com os trejeitos que se perpetuam numa espécie de linhagem aqui tão
bem demonstrada.
Este é um livro sobre a fragilidade e
imperfeição da vida humana, mas também sobre a ingenuidade de
querer fazer da vida privada um espaço de afirmação de valores
morais. Patricia Müller mostra-nos, subtilmente, que a corrupção
nasce com a própria pessoa, não sendo passível de reforma pela
mera proclamação impoluta e messiânica dos valores morais. O resto
é, tal como os casarões que Maria Laura habita, um caminho de sombras, mergulhado na solidão, profundamente triste, onde qualquer traço
de esperança desemboca, fatalmente, na loucura e na morte.
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