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sábado, 25 de agosto de 2018

LIVRO: "Hotel Memória"



LIVRO: “Hotel Memória”,
de João Tordo
Copyright © João Tordo, 2007
Ed. Companhia das Letras, Abril de 2018


A culpa será das fitas, daquelas à americana, tudo muito sombrio, o vapor que se escapa das sarjetas, um vulto que se esgueira na sombra, uma morte violenta, sirenes e polícias, vidas no fio da navalha, Nova Iorque envolta num lânguido solo de saxofone. É neste ambiente de “bas fond”, onde uma simples palavra pode fazer puxar o gatilho, que se insere a leitura de “Hotel Memória” e, quero acreditar, também a sua escrita, o autor a buscar a inspiração no “film noir”, numa altura em que dava ainda os primeiros passos na escrita.

Encaixado entre “O Livro dos Homens Sem Luz” (Novembro de 2014), o primeiro romance de João Tordo, e “As Três Vidas” (Setembro de 2008), Prémio Saramago 2009 e verdadeira mola propulsora da carreira do autor, “Hotel Memória” é uma intrigante história, no domínio do romance policial, envolvendo, entre outros personagens ziguezagueantes, um estudante de Literatura, um coleccionador de arte russo, um produtor discográfico americano, um mafioso de ascendência polaca (pelo menos a julgar pelo apelido) e ainda um fadista português.

Nas menções que faz a Edgar Allan Poe ou a Herman Melville (há mesmo uma apropriação do nome Bartleby pela personagem principal), João Tordo deixa pistas quanto àquelas que são as suas referências literárias, embora parece haver ali também um “cheirinho” de Ruth Rendell, Dashiell Hammett, Donald E. Westlake ou outros. Desenvolvendo o romance de forma centrípeta, voltado sobre essa personagem sem nome, protagonista da sua própria história, João Tordo parece apostar tudo na desconstrução das causas que determinam um processo de auto-destruição.

É curioso analisar este livro dum ponto de vista cronológico, já que a sua leitura é posterior à de “O Paraíso Segundo Lars D.”, “Biografia Involuntária dos Amantes” e do soberbo “Ensina-me a Voar Sobre os Telhados”. Percebe-se que a desenvoltura na escrita e a preferência pelas personagens desditosas, vestindo-lhes a pele e escrutinando-lhes a alma torturada, já está toda ali. Convirá dizer que nem tudo é claro neste livro – sobretudo, a personagem de Daniel da Silva, o fadista português, parece muito pouco resolvida –, mas a narrativa grave e a extraordinária capacidade de recriar ambientes e desenhar as personagens valem, por si só, o tempo investido em “Hotel Memória”.

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