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sexta-feira, 31 de agosto de 2018

LIVRO: "Ao Redor dos Muros"



LIVRO: “Ao Redor dos Muros”,
de António Canteiro
Editor | Guilherme Valente
Ed. Gradiva, Fevereiro de 2010


Os muros a que o título do livro alude são os de uma prisão, em redor dos quais gravita um punhado de pessoas que cumpre pena, a liberdade suprimida, a dignidade manchada, o orgulho ferido, a vida em suspenso. É nesta espécie de limbo, onde a mente tende a dar-se à preguiça e se perde a conta ao fio dos dias, que vamos encontrar Constâncio Fraga, indivíduo de etnia cigana condenado por um crime de sangue que o próprio repudia, mas imperativo por questões de honradez fundadas na tradição. Com ele, entre muitos outros ocupantes do espaço da cadeia, tomaremos contacto com um angolano e um indivíduo do Leste, outro cigano ainda ou um pequeno delinquente marcado pela toxicodependência.

Técnico superior de Reinserção Social do Estabelecimento Prisional Regional de Aveiro, António Canteiro sabe do que fala neste “Ao Redor dos Muros”, ao qual foi outorgado o Prémio Literário Alves Redol 2009, instituído pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. De forma objectiva, sem se tornar fastidioso, o autor dá a ver o interior duma cadeia, as suas celas e grades, os seus corredores, pátios e muros, as regras e rotinas, a forma como os presos expiam a sua pena sob o olhar vigilante dos guardas. Mas dá a ver, sobretudo, as pessoas que coabitam naquele espaço, pessoas que um dia perderam a liberdade mas que não deixam de ser pessoas, algumas encontrando ali um meio de se reabilitarem, nomeadamente através da leitura e da escrita.


Não sem estranheza, encontramos em “Ao Redor dos Muros” um tom de apaziguamento que contrasta com a ideia feita duma cadeia enquanto espaço castrador, concentracionário, de enorme violência física e psicológica. Longe de glorificar o sistema prisional mas, tão pouco, de o anatemizar, o autor revela, através duma escrita sóbria e equilibrada, uma enorme empatia com as pessoas que estão presas e uma grande solidariedade com o seu sofrimento. Centrando-se na figura de Constâncio, é com ele e por ele que a narrativa se desenvolve, António Canteiro elegendo a população prisional como interlocutor privilegiado neste seu livro. De leitura fácil, “Ao Redor dos Muros” confere uma nota de brandura a um ambiente marcadamente hostil, sendo merecedor da devida atenção. Talvez o único reparo vá mesmo para a opção do autor em ser o mais fiel possível ao linguajar cigano, plasmando-o na sua escrita. O resultado soa estranho, mais brasileiro (será?) do que romani, numa mistura que distrai o leitor daquilo que é essencial e que pouco diz, pouco acrescenta.

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