LIVRO: “Os Lindos Braços da Júlia da Farmácia”,
de José Rentes de Carvalho
Quetzal Editores,
Agosto de 2011
Haverá, numa boa franja do mundo
académico, a concepção de que o conto é um género menor da
literatura, “uma espécie de apêndice do romance”, como sugeriu
Juan José Millás. Pensar assim será, porventura, menosprezar Jorge
Luís Borges ou Julio Cortazár, autores cuja obra maior se baseia
nos contos, precisamente. Ou passar ao lado de “O Afogado mais
Bonito do Mundo”, de Gabriel García Márquez, que pode ser lido em
“A Incrível e Triste História de Cândida Eréndira e da Sua Avó
Desalmada” e que é, tão somente, a jóia mais rara de tudo quanto
li até hoje. Ou, ainda, dar-se ao luxo de recusar o prazer de “Os
Lindos Braços da Júlia da Farmácia”, de José Rentes de
Carvalho, todo ele uma preciosidade.
Percebe-se neste livro o recuperar de escritos avulsos cerzidos nas entretelas do tempo, delicadamente reunidos, corpo e alma ao voltar de cada página. São oito décadas duma vida repleta de peripécias, pontuada por inúmeros acidentes de percurso, volta e meia no fio da navalha, umas vezes voluntariamente, outras de forma absolutamente casual. Cronologicamente desordenados, os trinta contos ora nos falam da infância do escritor - o fascínio duma história escutada no barbeiro a dar lugar ao quebrar dos sentidos -, ora partilham a dolorosa experiência do enterro do pai, o assumir a posição do chefe de família, “aquele que dá conselho e de quem se esperam decisões acertadas”. Mas também da ida à inspecção, com a hilariante descrição duma semana passada no Hospital Militar do Porto, dos tempos da mocidade em Cerveira e das histórias de contrabando, dos bordéis de Lisboa e do ambiente e decoro da Madame Blanche, ou da vida vivida entre Paris, o Rio de Janeiro e Amsterdão por este homem que nasceu rebelde e nunca deixou de o ser.
Percebe-se neste livro o recuperar de escritos avulsos cerzidos nas entretelas do tempo, delicadamente reunidos, corpo e alma ao voltar de cada página. São oito décadas duma vida repleta de peripécias, pontuada por inúmeros acidentes de percurso, volta e meia no fio da navalha, umas vezes voluntariamente, outras de forma absolutamente casual. Cronologicamente desordenados, os trinta contos ora nos falam da infância do escritor - o fascínio duma história escutada no barbeiro a dar lugar ao quebrar dos sentidos -, ora partilham a dolorosa experiência do enterro do pai, o assumir a posição do chefe de família, “aquele que dá conselho e de quem se esperam decisões acertadas”. Mas também da ida à inspecção, com a hilariante descrição duma semana passada no Hospital Militar do Porto, dos tempos da mocidade em Cerveira e das histórias de contrabando, dos bordéis de Lisboa e do ambiente e decoro da Madame Blanche, ou da vida vivida entre Paris, o Rio de Janeiro e Amsterdão por este homem que nasceu rebelde e nunca deixou de o ser.
Para além da qualidade da escrita,
aquilo que mais sobressai em “Os Lindos Braços da Júlia da
Farmácia” (título de um dos contos, curiosamente o mais pequeno,
também o mais subtil e enigmático) é a sensibilidade e atenção que o
escritor dedica àquilo que o rodeia. É assim que, no traço das
memórias de José Rentes de Carvalho, encontramos cheiros e ruídos,
cidades em movimento, os sinos das igrejas, as cornetas dos quartéis,
as sirenes dos navios. Também as personagens mais díspares com quem
conviveu, pessoas de extremos - na maneira de viver, na maneira de
pensar, ou de correr riscos -, dos muito pobres aos extremamente
ricos. Ainda um Portugal esquecido no tempo, retrógrado,
reaccionário, de gente a viver na fronteira da humanidade com a
animalidade, a autoridade absurda de quem é autoritário porque sim.
Finalmente, ele próprio, um homem que, atravessando vários tempos,
ousou dar-se a conhecer no seu mais íntimo, íntegro, sem máscaras.
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