CONCERTO: “Conta-me Histórias com
Simone de Oliveira”
Cine Teatro de Estarreja
22 Jun 2018 | sex | 21:30
“Isto é um espectáculo ou isto é o
quê?” Foi com toda a naturalidade que Simone de Oliveira levantou
a questão, já o “Conta-me Histórias” ia avançado. Conversa ou
concerto (ou as duas coisas ao mesmo tempo), o espectáculo que
preencheu o serão do Cine Teatro de Estarreja em dia de aniversário
foi, sobretudo, o pretexto para Simone de Oliveira falar da sua vida pessoal e
profissional, desvendar pormenores pouco conhecidos, cantar musicas
muito conhecidas, revelar-se, confessar-se, emocionar-se e, sem papas
na língua, ser ela própria. Mulher de coisas e de causas, mulher
coragem, mulher-mãe, mulher de corpo inteiro!
Entrou em palco a coxear - “fiz uma
prótese do joelho; coxeiem mas nunca façam uma prótese”,
aconselhou –, mas a conversa correu ligeira como o vento. E foi com
“Auto-Retrato”, poema e música de António Sala, que tudo
começou, a cantora a expor-se através da canção, “Mudei o
cantar e a forma de amar aqui onde estou / Mudei os destinos, virei
os meus hinos, mas sei onde vou”. E mostrou que sabia e sabe
(sempre soube) onde vai. Contou que foi vítima de violência
doméstica aos 19 anos, que saiu de casa e entrou numa depressão
profunda, dela se libertando graças à música. “Eu não escolhi a
vida, foi a vida que me escolheu a mim”, conta, acrescentando: “Eu
nunca quis cantar, nunca quis ser actriz. Eu só queria que aquilo
que me aconteceu não tivesse acontecido.” Mas levantou a cabeça e
hoje diz, com emoção, “tenho obrigação de ser uma mulher feliz
porque a vida deu-me coisas espantosas.”
“Esta Palavra Saudade” foi o
segundo momento musical da noite e trouxe-nos a beleza do poema de
José Carlos Ary dos Santos - “Ai! palavra amarga e doce /
estrangulada na garganta / palavra como se fosse / o silêncio que se
canta”. Mas, de novo, as certezas de Simone de Oliveira: “A
minha saudade é uma saudade muito lavada. Que bom ter vivido o que
vivi!”. E falou então da vida a dois com Henrique Mendes, “o
homem que mais mulheres teve em Portugal”, referindo um episódio
de 1969, no Festival RTP da Canção, Mendes na terceira fila de mão
dada com outra mulher e ela a “ter um ataque de
tudo”, a cantar de raiva, com uma certeza na alma: “É hoje que
ganho esta merda!”. E ganhou, com o maior exito da sua carreira,
“Desfolhada Portuguesa” - Eira de milho / luar de Agosto / quem
faz um filho / fá-lo por gosto” -, musica de Nuno Nazareth
Fernandes e letra de Ary dos Santos. Uma canção que, no Festival
Eurovisão da Canção, em Madrid, “foi duramente castigada por
compadrios, habilidades de bastidores e interesses comerciais,
levando a que o próprio ministro da Informação e Turismo espanhol
me viesse pedir desculpas e a Portugal”, lembra.
As conversas são como as cerejas e
Simone de Oliveira revela-se uma conversadora nata. Fala da sua
vitória no Festival RTP da Canção em 1965 com “Sol de Inverno”,
de Nóbrega e Sousa e Jerónimo Bragança e de como Carlos do Carmo a ajudou a regressar à música, em 1973, “depois de três anos
sem cantar, por ter ficado sem voz”. Em palco, Simone lembrou “Sol
de Inverno” - “Dei tudo na vida / Bandeira vencida / Rasgada no
chão” - e a extraordinária habilidade dos letristas portugueses
para enganar a censura. Cantou também “De Degrau em Degrau”, com
letra de Jerónimo Bragança, “Que mais te posso dar? / Que mais
queres tu de mim?” e o assombroso “No Teu Poema”, com música e
letra de José Luis Tinoco, “(...) um rio / A sina de quem nasce
fraco ou forte / O risco, a raiva e a luta de quem cai / Ou que
resiste / Que vence ou adormece antes da morte”.
A conversa (o concerto) chegava ao fim
com “Desfolhada Portuguesa”, muita coisa dita e muita mais por
dizer. Da passagem pelo jornalismo, com a página “Sombras da
Ribalta” na revista “R&T”, à quantidade de amantes que lhe
arranjaram e “onde só faltavam os toureiros a pé e a cavalo”,
passando pela sua relação difícil com a Igreja Católica, de tudo
se falou um pouco. No “encore” viria a cantar um intimista “Foi
Assim” - “uma canção do meu último álbum que ninguém
conhece, as rádios não passam, vá-se lá saber porquê” -, com
letra sua e que diz esta coisa espantosa: “A 29 de agosto de 2000 e
o que entenderes / talvez possamos olhar-nos como da primeira vez /
contar a história de novo / mudar-lhe só o final / se não poderes
nessa data pode ser noutra, que tal...”. Pois que seja, nessa ou
noutra data. Até já, Simone!
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