TEATRO: “Correspondência - Projecto
Artístico de J. D.”
Dramaturgia | Leandro Ribeiro com a
comunidade ovarense, a partir de cartas de Joaquim Guilherme Gomes
Coelho (pseudónimo Júlio Dinis e heterónimo Diana de Aveleda)
Autoria e Encenação | Leandro Ribeiro
Interpretação | Clara Oliveira e
Leandro Ribeiro
Museu Júlio Dinis – Uma Casa
Ovarense
17 Mai 2018 | qui | 19:00
Assumindo-se como “uma performance
teatral em que a troca de correspondência gera dramaturgia”,
“Correspondência – Projecto Artístico de J. D.” surge no
âmbito dum Mestrado em Artes Cénicas da ESMAE e constrói-se a
partir de cartas de Joaquim Guilherme Gomes Coelho (pseudónimo Júlio
Dinis e heterónimo Diana de Aveleda). Em formato de visita guiada, o
espectáculo convida o público a percorrer a casa onde, no verão de
1863, o escritor se instalou por motivos de saúde. Uma casa onde
Júlio Dinis, vencida a estranheza dos momentos iniciais, terá sido
feliz, rendendo-se à pacatez rural de Ovar, observando em detalhe os
vareiros e procurando saber as histórias das suas vidas, para mais
tarde vir a inspirar-se no material recolhido para compor episódios
dos seus romances, o primeiro dos quais, “As Pupilas do Senhor
Reitor”, foi publicado em 1866.
Se as cartas escritas por Júlio Dinis
desempenham um papel primordial na construção dramatúrgica da
peça, não menos importantes são as mensagens resultantes da troca
de correspondência com cerca de três dezenas de ovarenses, tantos
quantos aceitaram o repto de responder a Leandro Ribeiro, escudado no
anonimato sob as figuras dum angustiado “Joaquim” e duma
revolucionária “Diana”. Em termos da narrativa, o resultado é
surpreendente, não apenas pela maneira inteligente como a
correpondência (a actual e a antiga) se articula entre si, como pela
forma como os temas são tratados – Ovar e as suas gentes, por um
lado e, por outro, o estado da arte. Leandro Ribeiro mostra-se exímio
neste exercício de aproximação de temas e épocas, obrigando o
espectador a recuar no tempo para lhe mostrar quão ténue é a linha
que separa as preocupações de agora daquelas de há 150 anos atrás.
Percorrendo todo o espaço do Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense, o espectáculo lança mão duma série de possibilidades cénicas de enorme criatividade e impacto visual, do simples monólogo ao pedido de colaboração do público na construção dum castelo de cartas, na recriação da sequência da chegada do correio à vila ou, já na parte final, a privar com o escritor / actor na intimidade do seu leito. A intensidade dramática cresce na proporção directa da cumplicidade que se vai estabelecendo com o público, sendo o final – sob a forma de conversa – um momento de enorme emoção, pela adesão total do público. Um momento que suscita uma reflexão séria sobre o papel das cartas nos dias de hoje, esses objectos agradáveis, que nos falam das coisas do coração, mas cujo desuso nos leva cada vez mais a olhar para elas com os olhos da desconfiança e da suspeição.
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