EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “Retratos de
Autores Portugueses”,
de Do Carmo Vieira
Biblioteca Municipal de Ovar
18 Mai > 23 Jun 2018
Espraiamos o olhar por estes “retratos”
como quem folheia com desvelo um livro querido, voltando pausadamente cada uma das
páginas, as linhas impressas no papel a encontrarem correspondência
na tela, nas linhas dos rostos dos retratados, marcas de vida
intensa, imensa, plena. Na aparente serenidade da pose, Natália Correia
esconde a vontade de gritar bem alto que “a desordem é
necessária”, enquanto as rugas de Miguel Torga nos dizem “que
belo é ter um amigo!”. E se o olhar de Zeca Afonso clama que
“venham mais cinco”, a bondade no olhar de Sophia de Mello
Breyner faz-nos sorrir ao lembrar que “mesmo que eu morra o poema
encontrará uma praia onde quebrar as suas ondas”. Eugénio de
Andrade, esse, diz-nos com veemência que “é urgente o amor”.
No realismo com que Maria do Carmo
Vieira retrata cada um destes vultos da cultura portuguesa –
pessoas que a acompanharam no seu percurso, que a influenciaram, que
a inspiraram – reside a chave para que cada um possa ver para lá
da simples composição pictórica. Fazendo uso das palavras da
artista, aquilo que se evidencia em cada um destes oito retratos é a
tentativa de “restituir à imagem visível, o invisível duma
personalidade, num complexo conjunto de sinais como a força de um
olhar, a passagem de um tempo que contém vivências, afectos...
memórias”. Isso sente-se de forma clara na força com que aqueles
olhos – todos os olhos (!) -, fitando-nos, convocam a emoção dum
poema guardado num recanto querido da memória, dum concerto para
sempre adiado ou dum encontro fugaz numa sala de teatro, as
imponentes esculturas da “Yerma” a crescerem do palco e a
invadirem os nossos corações.
Refira-se, enfim, que esta é a
exposição certa no sítio certo. Locais inclusivos por definição,
as Bibliotecas são pólos centralizadores das comunidades, espaços
abertos à diversidade, fontes do saber por excelência. Ali se
cultivam valores humanos fundamentais, se trocam experiências, se
adquirem competências. Nesta homenagem que Maria do Carmo Vieira
rende a estes grandes nomes das nossas artes e das letras (que podiam
ser mais, que podiam ser outros), há uma homenagem implícita a
todas as sedes do conhecimento e do desenvolvimento humano. Aqueles
rostos ali retratados envolvem-nos com a força duma presença quase
física, com a emoção do seu enorme humanismo, lembrando-nos o quão
importante é o saber. Em fundo, a guitarra de Carlos Paredes tudo
embala, estreitando público e artista(s) num abraço fraterno,
emotivo, caloroso. Um abraço de agradecimento, também, a Maria
do Carmo Vieira, pela sua arte e inspiração, pela dádiva da
partilha. A ver, absolutamente, até 23 de Junho, na Biblioteca
Municipal de Ovar!
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