CONCERTO: “Cantos da Quaresma”
Interpretação | César Prata (voz,
guitarra, kalimba, sanfona, hangdrum, ponteiro, adufe, matracas,
percussões, shruti box) e Sara Vidal (voz, harpa celta, adufe)
Igreja Matriz de Monchique
31 Mar 2018 | sáb | 16:00
“Dois músicos em palco, numa Igreja
adaptada a sala de espectáculos. Em final de Quaresma, um programa
que se reclama de cantos e preces guardados pelo povo das Beiras
muitas vezes à revelia de autoridades civis e religiosas.
Sobrevivências de religiosidade popular inscritas no ciclo anual da
natureza que renasce, se completa nas colheitas e adormece em cada
Inverno, sublimada na Paixão de Jesus Cristo. Os dois músicos,
libertos de ritos e culpabilidades que os impeçam de tomar esses
cantos como geradores das suas criações, lançam-se à descoberta
dos sentidos visíveis e ocultos das palavras e dos encadeamentos
melódicos que as sustentam. Quase sempre, a meu ver, com soluções
performativas de grande beleza e equilíbrio, através de uma
utilização contida dos instrumentos e recursos que dominam. (...)”
Inscritas no Álbum “Cantos da
Quaresma” [sonsvadios.pt/CantosdaQuaresma], estas palavras de Domingos Morais ilustram na perfeição
os momentos vividos na muito bela e acolhedora Igreja Matriz de
Monchique, em tarde de Sábado de Aleluia. César Prata e Sara Vidal
ofereceram aos presentes um programa composto por martírios,
orações, encomendações das almas e excelências, onde avultaram a
espiritualidade, elevação e harmonia, assentes na
extraordinária capacidade vocal e instrumental dos dois intérpretes.
Foi assim possível reviver, com a maior solenidade, os cânticos
seculares do período da Quaresma, traçando uma geografia centrada
no concelho de Idanha-a-Nova (aldeias de Zebreira, Penha Garcia e
Proença-a-Velha), mas que se alargou a Oliveirinha (Aveiro), S.
Miguel (Guarda), Monsaraz (Alentejo) e Alcoutim (Algarve). Em todas
elas o traço comum dum povo que canta e que, assim cantando,
manifesta a sua profunda religiosidade, tecendo louvores a Deus.
Numa breve introdução ao concerto,
César Prata fez questão de salientar o carácter muito particular
destes cantos – que se inserem na religiosidade tradicional
portuguesa mas que não são litúrgicos –, que se cantavam a
capella, sem acompanhamento musical (à excepção das matracas) e
fora das igrejas. Conciliar a tradição com a “modernidade” de
um lugar não convencional (ainda que uma igreja) e de um conjunto variado de instrumentos, foi
um risco que César Prata e Sara Vidal quiseram correr, em nome desse
interesse maior que é o de não deixar morrer a tradição. Em boa hora o
fizeram, logrando o duplo “milagre” de manter vivo um conjunto de
músicas e torná-las visíveis a um público mais alargado e, ao
mesmo tempo, não as adulterando, preservando o seu carácter e
genuinidade graças à leveza das “roupagens” instrumentais e
dos arranjos. Louve-se a firmeza e coragem desta dupla em persistir na senda da militância cultural, em nome da nossa
oralidade e dum tão vasto quanto rico património imaterial. Por
eles, para eles e com eles é hora de cantarmos “Aleluias”.
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