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terça-feira, 3 de abril de 2018

CONCERTO: "Cantos da Quaresma"



CONCERTO: “Cantos da Quaresma”
Interpretação | César Prata (voz, guitarra, kalimba, sanfona, hangdrum, ponteiro, adufe, matracas, percussões, shruti box) e Sara Vidal (voz, harpa celta, adufe)
Igreja Matriz de Monchique
31 Mar 2018 | sáb | 16:00


“Dois músicos em palco, numa Igreja adaptada a sala de espectáculos. Em final de Quaresma, um programa que se reclama de cantos e preces guardados pelo povo das Beiras muitas vezes à revelia de autoridades civis e religiosas. Sobrevivências de religiosidade popular inscritas no ciclo anual da natureza que renasce, se completa nas colheitas e adormece em cada Inverno, sublimada na Paixão de Jesus Cristo. Os dois músicos, libertos de ritos e culpabilidades que os impeçam de tomar esses cantos como geradores das suas criações, lançam-se à descoberta dos sentidos visíveis e ocultos das palavras e dos encadeamentos melódicos que as sustentam. Quase sempre, a meu ver, com soluções performativas de grande beleza e equilíbrio, através de uma utilização contida dos instrumentos e recursos que dominam. (...)”

Inscritas no Álbum “Cantos da Quaresma” [sonsvadios.pt/CantosdaQuaresma], estas palavras de Domingos Morais ilustram na perfeição os momentos vividos na muito bela e acolhedora Igreja Matriz de Monchique, em tarde de Sábado de Aleluia. César Prata e Sara Vidal ofereceram aos presentes um programa composto por martírios, orações, encomendações das almas e excelências, onde avultaram a espiritualidade, elevação e harmonia, assentes na extraordinária capacidade vocal e instrumental dos dois intérpretes. Foi assim possível reviver, com a maior solenidade, os cânticos seculares do período da Quaresma, traçando uma geografia centrada no concelho de Idanha-a-Nova (aldeias de Zebreira, Penha Garcia e Proença-a-Velha), mas que se alargou a Oliveirinha (Aveiro), S. Miguel (Guarda), Monsaraz (Alentejo) e Alcoutim (Algarve). Em todas elas o traço comum dum povo que canta e que, assim cantando, manifesta a sua profunda religiosidade, tecendo louvores a Deus.

Numa breve introdução ao concerto, César Prata fez questão de salientar o carácter muito particular destes cantos – que se inserem na religiosidade tradicional portuguesa mas que não são litúrgicos –, que se cantavam a capella, sem acompanhamento musical (à excepção das matracas) e fora das igrejas. Conciliar a tradição com a “modernidade” de um lugar não convencional (ainda que uma igreja) e de um conjunto variado de instrumentos, foi um risco que César Prata e Sara Vidal quiseram correr, em nome desse interesse maior que é o de não deixar morrer a tradição. Em boa hora o fizeram, logrando o duplo “milagre” de manter vivo um conjunto de músicas e torná-las visíveis a um público mais alargado e, ao mesmo tempo, não as adulterando, preservando o seu carácter e genuinidade graças à leveza das “roupagens” instrumentais e dos arranjos. Louve-se a firmeza e coragem desta dupla em persistir na senda da militância cultural, em nome da nossa oralidade e dum tão vasto quanto rico património imaterial. Por eles, para eles e com eles é hora de cantarmos “Aleluias”.

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