LIVRO: “Karen”,
de Ana Teresa Pereira
Ed. Relógio D'Água Editores, Julho
de 2016
Este é um livro que ilustra na
perfeição a ideia, mil vezes repetida, de que “quanto mais
simples é uma história, maior é a arte de a contar”. Porque
“Karen” é uma história simples – um leque reduzido de
personagens, espaços perfeitamente demarcados, uma mulher
com amnésia após um acidente, aquilo que se insinua como um
triangulo amoroso – e porque consegue, através duma escrita
engenhosa e particularmente visual, envolver completamente o leitor e
obrigá-lo a prolongar o livro para lá da derradeira linha.
Carregando o livro de referências
cinéfilas, Ana Teresa Pereira faz questão de nos mostrar ao que
vamos logo nas páginas iniciais. Se os nomes de Deborah Kerr,
Kathleen Byron, Maria Schell ou Marcello Mastroianni colocam a tónica
no cinema, os romances de autores da primeira metade do século XX ou
as séries policiais indiciam o carácter misterioso da história. O
resto é isso mesmo, a história. Uma bela história, centrada na
figura desta mulher que toda a gente trata por Karen mas que rejeita,
intimamente, todas as evidências, ao mesmo tempo que assume uma
duplicidade perturbadora. É para “Noites Brancas” e Visconti ou
“Quando os Sinos Dobram” e Powell e Pressburger que a autora
explicitamente remete, mas na realidade é na sombra de Hitchcock e
de Daphne du Maurier que seguimos.
Lançado no campo do “thriller”,
“Karen” é, todo ele, um manancial de pistas. Constantemente
deparamos com apontamentos breves nos quais já tínhamos “tropeçado”
algumas páginas atrás. É então que a sensação de “déjà-vu”
se torna avassaladora, nela se identificando o leitor com a
personagem principal do livro. Página após página, o romance
vai-se construindo ao mesmo tempo que a estranheza e a inquietação
se vão sedimentando. A dúvida cede lugar ao medo. Levando a tensão
ao extremo, Ana Teresa Pereira remata com um golpe de génio, um
flashback onde se reforçam semelhanças e percebem diferenças.
Terminado o livro, consegue o leitor resistir ao apelo de voltar ao
início?
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