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sábado, 17 de março de 2018

LIVRO: "Karen"



LIVRO: “Karen”,
de Ana Teresa Pereira
Ed. Relógio D'Água Editores, Julho de 2016


Este é um livro que ilustra na perfeição a ideia, mil vezes repetida, de que “quanto mais simples é uma história, maior é a arte de a contar”. Porque “Karen” é uma história simples – um leque reduzido de personagens, espaços perfeitamente demarcados, uma mulher com amnésia após um acidente, aquilo que se insinua como um triangulo amoroso – e porque consegue, através duma escrita engenhosa e particularmente visual, envolver completamente o leitor e obrigá-lo a prolongar o livro para lá da derradeira linha.

Carregando o livro de referências cinéfilas, Ana Teresa Pereira faz questão de nos mostrar ao que vamos logo nas páginas iniciais. Se os nomes de Deborah Kerr, Kathleen Byron, Maria Schell ou Marcello Mastroianni colocam a tónica no cinema, os romances de autores da primeira metade do século XX ou as séries policiais indiciam o carácter misterioso da história. O resto é isso mesmo, a história. Uma bela história, centrada na figura desta mulher que toda a gente trata por Karen mas que rejeita, intimamente, todas as evidências, ao mesmo tempo que assume uma duplicidade perturbadora. É para “Noites Brancas” e Visconti ou “Quando os Sinos Dobram” e Powell e Pressburger que a autora explicitamente remete, mas na realidade é na sombra de Hitchcock e de Daphne du Maurier que seguimos.

Lançado no campo do “thriller”, “Karen” é, todo ele, um manancial de pistas. Constantemente deparamos com apontamentos breves nos quais já tínhamos “tropeçado” algumas páginas atrás. É então que a sensação de “déjà-vu” se torna avassaladora, nela se identificando o leitor com a personagem principal do livro. Página após página, o romance vai-se construindo ao mesmo tempo que a estranheza e a inquietação se vão sedimentando. A dúvida cede lugar ao medo. Levando a tensão ao extremo, Ana Teresa Pereira remata com um golpe de génio, um flashback onde se reforçam semelhanças e percebem diferenças. Terminado o livro, consegue o leitor resistir ao apelo de voltar ao início?

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