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terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

LIVRO: "Os Loucos da Rua Mazur"



LIVRO: “Os Loucos da Rua Mazur”,
de João Pinto Coelho
Editor | Maria do Rosário Pedreira
Ed. Leya, Novembro de 2017


Algures, no Nordeste da Polónia, o horror acontece. Estamos em 1941 e um manicómio é transformado em forno crematório, não por obra do ocupante alemão mas de cristãos polacos. O nome da cidade é propositadamente omitido no livro, mas tanto pode ser Jedwabne como mais de uma vintena de outras localidades onde atrocidades do género foram cometidas, na mesma altura, contra os judeus. Caucionado pela História – que nos vem ensinando que os acontecimentos tendem, ciclicamente, a repetir-se -, “Os Loucos da Rua Mazur”, última obra de ficção de João Pinto Coelho e vencedor do Prémio Leya 2017, acaba por assumir uma faceta profundamente perturbadora, quase premonitória, numa altura em que a Velha Europa - para não irmos mais longe (!) - assiste ao recrudescer dum discurso xenófobo e populista, impulsionado pela ascensão dos partidos de extrema direita.

Toda esta “maquinação do Mal” é narrada a partir dos apontamentos pessoais de dois sobreviventes – um escritor de sucesso e um livreiro cego -, apelando no presente às respectivas memórias e completando os apontamentos um do outro, para que nada fique por contar. Mas a relação entre ambos é tudo menos fácil, como o não era à data dos trágicos acontecimentos. E é aqui que vem ao de cima o brilhantismo da escrita de João Pinto Coelho, abordando duas histórias em paralelo, separadas seis décadas no tempo, mostrando de que forma as tensões e conflitos pessoais se prolongam e acabam por repercutir, na exacta medida, no viver e no sentir duma sociedade cada vez mais dividida.

Este é um daqueles livros que se lêem em constante sobressalto. De cada vez que pensamos que o pior já passou, percebemos que, afinal, ainda está para vir. Aqui “as costas não folgam pelo vai e vem do pau”. Os momentos de trégua aparente desvendam, afinal, pequenas peças soltas dum puzzle que acabará por rebentar em mil estilhaços, de dor e raiva feitos. E porquê?, perguntar-se-á. Que gene é este que já nasce com o homem e o leva a atentar contra o seu semelhante da forma mais vil e cruel? Com que motivação? Em nome de quê? Entre todas as virtudes deste magnífico livro, talvez a forma como nos confronta com estas questões seja o mais relevante. Através dele, vamos ao encontro do que fomos para descobrirmos, em sobressalto, quem somos. Porventura, será este o grande argumento que faz de “Os Loucos da Rua Mazur” uma obra de leitura obrigatória!

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