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quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

LIVRO: "Manobras de Guerrilha"



LIVRO: “Manobras de Guerrilha”, de
Bruno Vieira Amaral
Quetzal Editores, Janeiro de 2018


É sob um manto pretensamente belicista que descubro o mais recente livro de Bruno Vieira Amaral. Ao remeter para acções não convencionais, grande mobilidade e muito jogo psicológico, “Manobras de Guerrilha” é isso tudo mas também o seu contrário. Desde logo porque, ao acrescentar o subtítulo “Pugilistas, Pokémons & Génios”, o autor desdramatiza o conceito, ao mesmo tempo que coloca uma nota de estranheza na equação. E depois há essa bela capa, ao estilo da Banda Desenhada, que evoca a “nobre arte” e põe os pontos nos ii. Na arte e no respeito – e nunca na violência – coloca o autor a tónica deste livro, nos quais os punhos têm a força da escrita e o resultado final deve muito mais à cabeça (leia-se, “inteligência”) que a esse bailado delirante de pés e mãos em sintonia, corpo contra corpo, em “rounds” de três minutos.

“… Plim”. A campainha soa e o combate tem início. O ato solitário em busca da superação no ringue é agora o da leitura, feita de “emboscadas”, “avanços no terreno” e “campo aberto”. O primeiro golpe (“Chalana, como peixe na água”) é logo um “murro no estômago”. Outros se seguirão, do “uppercut” aos queixos de Toni Bentley, uma “Santa Teresa de Ávila do sexo anal”, ao gancho no fígado de Susan Sontag, em defesa de Camus. Subtil, mordaz, eloquente, magnânime, jocoso, camaleónico, irónico, contundente, Bruno Vieira Amaral discorre sobre as diferenças entre Messi e Maradona com o mesmo à vontade com que transforma em saco de boxe uma humanidade esquecida da decência. Tanto o vemos em passinhos de filigrana a “caminhar entre ruínas” como partimos com ele à caça de Pókemons pelas ruas do Barreiro ou subimos o Monte Farinha para assistir à chegada da caravana da Volta.

Em Bruno Vieira Amaral, a escrita é uma arte. Que pode ser dura, sim, mas é sempre digna e nobre. E é essa arte – que tem um nome, porque um estilo: o do autor – que resulta na argamassa que torna coeso o conjunto de 26 textos selecionados a partir de publicações em orgãos tão respeitados quanto díspares: Observador, LER, Circo da Lama, Blimunda, Expresso Diário, Malomil, Público, Orgia Literária e GQ. Nas crónicas de viagem como nas críticas literárias, por exemplo, o autor deixa a sua marca inconfundível, a mesma que já encontrávamos em “As Primeiras Coisas” e se prolongou, depois, no litúrgico “Hoje Estarás Comigo no Paraíso”. É esse seu estilo, o seu “eu” literário, que leva a que “Manobras de Guerrilha” seja mais um momento inefável de partilha, de cumplicidade. Assim como uma família unida em torno de um par de luvas.

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