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domingo, 3 de dezembro de 2017

TEATRO: "Jardim Zoológico de Vidro"



TEATRO: “Jardim Zoológico de Vidro”,
de Tennessee Williams

Encenação | Jorge Silva Melo
Interpretação | Isabel Muñoz Cardoso, João Pedro Mamede, Guilherme Gomes e Vânia Rodrigues
Produção | Artistas Unidos
Cine-Teatro de Estarreja | 02 Dez 2017 | sab | 21:30


Numa entrevista concedida na década de 1970, Tennessee Williams confessou ter descoberto a escrita como uma forma de fugir a um mundo real no qual se sentia “profundamente desconfortável”. Nascido em Columbus, Mississippi, na casa do seu avô, o pastor local, Tennessee era filho de Cornelius Williams, um vendedor de sapatos viajante, alcoólico e viciado em apostas, e de Edwina Dakin Williams, mulher de humor instável. Ao ambiente disfuncional, juntou-se a difteria na infância, o que viria a fazer de Tennessee uma criança particularmente frágil. Devido à doença, ficou um ano fora da escola, tornando-se introspectivo e passando o tempo em volta dos livros. Refugiou-se no quarto, que pintou de branco e enfeitou com miniaturas de animais de vidro, o que mais tarde viria a servir de inspiração para a peça “The Glass Menagerie”.

Conhecida entre nós como “Jardim Zoológico de Cristal” - nome agora vertido por Jorge Silva Melo, encenador da peça apresentada pelos Artistas Unidos no Cine-Teatro de Estarreja, para “Jardim Zoológico de Vidro” –, “The Glass Menagerie” foi a primeira peça de Tennessee Williams estruturada realmente em termos teatrais e aquela que, no conjunto da sua obra, apresenta um cunho autobiográfico mais vincado. Foi com ela que iniciou uma carreira de sucesso após uma primeira apresentação em Chicago, em 1944, chegando no ano seguinte à Broadway, onde se tornou rapidamente num estrondoso êxito do público e da crítica. Desde então, “The Glass Menagerie” não mais parou de subir aos palcos de todo o mundo, quer pela dimensão humana dum texto que não perdeu actualidade – e no qual cabe o próprio Tennessee, a figura dos progenitores e ainda a sua irmã Rose, diagnosticada com esquizofrenia na juventude -, quer pelo desafio que constitui a sua encenação e representação.

É, pois, neste ambiente pesado, claustrofóbico, feito de sonhos perdidos e futuros adiados, que “Jardim Zoológico de Vidro” nos convida a mergulhar. A encenação é rigorosa e a sua estruturação cinematográfica respeita o princípio original da peça, embora Jorge Silva Melo lavre num equívoco quando decide inserir legendas nalguns momentos considerados chave, um artifício por demais inútil, quase absurdo. Isabel Muñoz Cardoso mostra-se irrepreensível no papel de Amanda Wingfield, voz surda que amplia o histrionismo da palavra e do gesto. No papel de Tom e do narrador, João Pedro Mamede é igualmente brilhante, sobretudo pela forma como combina as duas personagens e nelas se desdobra. Já Guilherme Gomes e Vânia Rodrigues, nos papéis de Jim O' Connor e Laura Wingfield, saem ligeiramente fora desta equação, mostrando-se por demais amorfos e pouco convincentes no diálogo final, no qual a peça se condensa e “resolve”. Após o quase tédio daquela última meia hora, restará ao espectador um texto de invulgar força e qualidade e um par de momentos de grande teatro. O que não será pouco nos dias que correm!

[Foto: Jorge Gonçalves / publico.pt]

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