TEATRO: “Jardim Zoológico de
Vidro”,
de Tennessee Williams
Encenação | Jorge Silva
Melo
Interpretação | Isabel Muñoz Cardoso, João Pedro Mamede,
Guilherme Gomes e Vânia Rodrigues
Produção | Artistas Unidos
Cine-Teatro de Estarreja | 02 Dez
2017 | sab | 21:30
Numa entrevista concedida na década de
1970, Tennessee Williams confessou ter descoberto a escrita como uma
forma de fugir a um mundo real no qual se sentia “profundamente
desconfortável”. Nascido em Columbus, Mississippi, na casa do seu
avô, o pastor local, Tennessee era filho de Cornelius Williams, um
vendedor de sapatos viajante, alcoólico e viciado em apostas, e de
Edwina Dakin Williams, mulher de humor instável. Ao ambiente
disfuncional, juntou-se a difteria na infância, o que viria a fazer
de Tennessee uma criança particularmente frágil. Devido à doença, ficou
um ano fora da escola, tornando-se introspectivo e passando o tempo
em volta dos livros. Refugiou-se no quarto, que pintou de branco e
enfeitou com miniaturas de animais de vidro, o que mais tarde viria a
servir de inspiração para a peça “The Glass Menagerie”.
Conhecida entre nós como “Jardim
Zoológico de Cristal” - nome agora vertido por Jorge Silva Melo,
encenador da peça apresentada pelos Artistas Unidos no Cine-Teatro
de Estarreja, para “Jardim Zoológico de Vidro” –, “The Glass
Menagerie” foi a primeira peça de Tennessee Williams estruturada
realmente em termos teatrais e aquela que, no conjunto da sua obra,
apresenta um cunho autobiográfico mais vincado. Foi com ela que
iniciou uma carreira de sucesso após uma primeira apresentação em
Chicago, em 1944, chegando no ano seguinte à Broadway, onde se
tornou rapidamente num estrondoso êxito do público e da crítica.
Desde então, “The Glass Menagerie” não mais parou de subir aos
palcos de todo o mundo, quer pela dimensão humana dum texto que não
perdeu actualidade – e no qual cabe o próprio Tennessee, a figura dos progenitores e ainda a
sua irmã Rose, diagnosticada com esquizofrenia na juventude -, quer
pelo desafio que constitui a sua encenação e representação.
É, pois, neste ambiente pesado,
claustrofóbico, feito de sonhos perdidos e futuros adiados, que “Jardim
Zoológico de Vidro” nos convida a mergulhar. A encenação é
rigorosa e a sua estruturação “cinematográfica” respeita o princípio
original da peça, embora Jorge Silva Melo lavre num equívoco quando
decide inserir legendas nalguns momentos considerados chave, um
artifício por demais inútil, quase absurdo. Isabel Muñoz Cardoso
mostra-se irrepreensível no papel de Amanda Wingfield, voz surda que
amplia o histrionismo da palavra e do gesto. No papel de Tom e do
narrador, João Pedro Mamede é igualmente brilhante, sobretudo pela
forma como combina as duas personagens e nelas se desdobra. Já Guilherme
Gomes e Vânia Rodrigues, nos papéis de Jim O' Connor e Laura
Wingfield, saem ligeiramente fora desta equação, mostrando-se por demais amorfos e pouco
convincentes no diálogo final, no qual a peça se condensa e “resolve”. Após o quase tédio daquela última meia hora, restará ao espectador um texto de invulgar força e qualidade e um par de momentos de grande teatro. O que não será pouco nos dias que
correm!
[Foto: Jorge Gonçalves / publico.pt]

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