TEATRO: “War Maker”
Direcção | Husam Abed
Dramaturgia | Marek Turošik
Direcção artística | Astrid Mendez
Cenografia | Katarina Cakova, Astrid Mendez
Produção | Dafa Theatre
50 Minutos | Maiores de 12 Anos
A SEDE
31 Jan 2025 | sex | 2130
“Sabes exactamente o que deixaste para trás: um passado que não figura em canções sobre os novos troianos, dos quais nada é dito a não ser o que os inimigos relatam. Mas eles não raptaram Helena nem causaram a guerra. Eram bondosos e pacíficos, o seu único crime foi terem nascido em encostas comparadas às escadas que conduziam a Deus. Eram corajosos sem espada, espontâneos sem retórica, pelo que alquebraram diante dos tanques, foram deslocados e espalhados pelo vento sem perderem a fé no dia em que a ferida da História sararia. // Portanto, quem és tu nesta viagem? Um poeta troiano que escapou ao massacre para contar a história, ou uma mistura de troiano e grego que se perdeu a caminho de casa?”
Mahmoud Darwish, in “Na Presença da Ausência”
Baseado na história real do artista palestiniano Karim Shaheen, “War Maker” é um exercício de teatro simples e eficaz, relevante na sua genuinidade, determinante na sua autenticidade, significativo na sua mensagem. Acompanhando o percurso de exílio de Karim - do Iraque ao Kuwait, da Síria à antiga Jugoslávia, da Hungria aos Estados Unidos - a peça faz-se de memórias estilhaçadas, onde se cruzam os namoros e o sofrimento de quem perdeu um braço, as sirenes que anunciam os ataques aéreos e um balde de pipocas, crianças recrutadas para servir no exército e soldadinhos de chumbo, o som dos bombardeamentos e a saga da Guerra das Estrelas. Sozinho em palco, rodeado de malas que são, como veremos, lugares de passagem num trajecto marcado por violentos conflitos armados, Husam Abed opta pela língua árabe (com legendas em inglês e português) para contar os sonhos e pesadelos de uma criança obrigada a fugir constantemente da guerra que tudo queima em redor, o que a leva a questionar-se se não será ela uma “war maker”, a grande causadora de tudo o que acontece à sua volta, para onde quer que se desloque.
Encenador, realizador, intérprete, marionetista, músico e produtor, Husam Abed conheceu Karim Shaheen no campo de refugiados de Yarmuk, em Damasco, na Síria. Foi aí que soube da sua enorme paixão por filmes de ficção científica e do seu sonho de vir a tornar-se um designer de efeitos visuais na Estados Unidos da América. Deportado da Síria em 2000, deu por si exilado na Jugoslávia e na Rússia, depois na Ucrânia, na Roménia e na Hungria, até chegar aos Estados Unidos, o país com que sempre sonhou, graças ao seu labor artístico e ao reconhecimento do seu trabalho. Mas será que a história acaba aqui, conhecidas que são as políticas da administração Trump em matéria de imigração? Um respeitador silêncio toma conta da sala. Ante o olhar do público, é o drama de milhões de refugiados que se concentra numa só pessoa, dividida entre o amor, os sonhos e as ligações familiares. Memórias da guerra, questões identitárias e exemplos da fragilidade humana fazem do palco uma verdadeira caixa de ressonância, chamando a atenção para uma realidade que constitui uma mancha vergonhosa na face da Humanidade.
Estreada em 2022, “War Maker” combina performance teatral, arte visual, teatro de objectos e meios multimédia. É uma forma de teatro alternativo, que documenta e ficciona, ao encontro de uma prática pública que pretende expressar e abordar questões e preocupações que se colocam às comunidades onde é apresentada. Mais do que uma forma de entretenimento puro e simples, a peça é um meio de auto-expressão, que desafia estereótipos, promove a consciencialização cívica e conecta pessoas por meio do teatro. A produção é do Dafa Theatre, companhia sediada em Praga, na Chéquia, e cujo nome, “Dafa”, provém do árabe e significa “calor”. Um calor que conforta
e que se estendeu ao público que, n’A SEDE, foi livre de imaginar, sonhar e reforçar a convicção de que é urgente agir em prol da construção de uma sociedade mais justa e solidária. “Dafa” é, assim, o oposto de isolamento e alienação. É o que resiste quando os direitos humanos são violados, quando falham a educação e a saúde, quando a água e o ar são contaminados, quando os recursos naturais estão nas mãos de apenas alguns. Contra tudo isto, o Teatro resiste. O Teatro é liberdade!
[Foto: Dafa Theatre | https://dafatheater.com/]
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