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segunda-feira, 31 de outubro de 2022

TEATRO DE OBJECTOS: "Perpetuum Mobile"



TEATRO DE OBJECTOS: “Perpetuum Mobile”
Criação, texto, dramaturgia, direcção e interpretação | Merce Tienda
Iluminação | David Durán
Desenho gráfico | Ana Jimenez
Video | MementoNet
50 Minutos | Maiores de 8 anos
A Sede
28 Out 2022 | sex | 22:00


O espaço d’A SEDE acolhe, até ao próximo sábado, o iNpróprio - Encontro Independente de Teatro Contemporâneo de Marionetas e Objectos na Sede. São seis as peças que integram a iniciativa, a primeira das quais, “Perpetuum Mobile”, teve lugar na noite da passada sexta feira. De Valência, Merce Tienda trouxe-nos um espectáculo de teatro de objectos, pequeno na sua duração mas enorme no contexto e significado das suas mensagens. Em jeito de apresentação, começa por dizer: “Sou Merce. Tienda. Como soa. Como uma tenda. Uma loja.” Nas mãos, um vasto conjunto de volumes, como quem está de partida. Nas palavras, o seu amor pelas coisas. Pelos “objectos lindos, perdidos, velhos, elásticos, partidos, brilhantes… objectos que representam momentos e objectos de pessoas.” Serão esses mesmos objectos, com as suas cores e texturas, as suas formas e volume, que, saídos das caixas e malas onde se encontram guardados, ganharão vida nas mãos da actriz, ao mesmo tempo ajudando a contar uma história que nos diz que, com maior ou menor esforço, temos em nós essa capacidade de nos levantarmos de cada vez que caímos. Ficarmos parados em frente a uma janela a olhar o mar - e a ser olhado por ele - não é solução.

Porque a vida é feita de ciclos, e ainda que Leonardo Da Vinci o tenha preconizado, a ideia de movimento perpétuo não se aplica aos objectos - de cada vez que lançamos um pião, sabemos que não ficará a rodar eternamente e, daí, prepararmos o baraço para voltar a lançá-lo. É isso que Merce Tienda nos vem lembrar, recuando ao pior dia que a vida na Terra já suportou quando um asteróide se tresmalhou do espaço sideral e levou a uma extinção em massa que dizimou mais de 75% das espécies existentes. Recorrendo aos mais variados objectos que vai dispondo num pequeno tapete, a actriz avança a uma velocidade furiosa até aos dias de hoje, onde a destruição dos habitats, o uso excessivo de recursos naturais, a introdução de espécies invasoras, a poluição e as alterações climáticas, levam a que a comunidade científica considere que caminhamos para uma nova extinção em massa, 66 milhões de anos depois da anterior. Do geral para o particular, Merce Tienda fala-nos de si e da sua família, da forma como, a cada novo desafio, se forjaram novas soluções, numa história que cruza Sagunto e as praias do Levante com Madrid e Barcelona, turistas e hotéis com o negócio das paellas, Blasco Ibañez e Hemingway com Claudio Tolcachir e Xavier Bobés, a Guerra Civil de Espanha com dois espectadores na plateia.

Ficará sempre muito por dizer de um espectáculo que, com enorme subtileza, faz questão de colocar o dedo numa série de feridas. Que o faz com a verdade e a clarividência de quem sabe estar atento ao mundo à sua volta e, assertivamente, o questiona. A partir daqui, todo o mérito deve ser assacado à actriz ao fazer-nos acreditar em si e no seu mundo, que é também o nosso. Actriz todo-o-terreno, Merce Tienda tem trabalhado nas áreas do teatro, cinema e televisão, foi jornalista e locutora, viajou pelos quatro cantos do mundo, com representações tanto no Dubai ou em hospitais de África como no Kennedy Center de Washington. Estudou dança e arte dramática, praticou râguebi e futebol e começa agora a dominar o Kung Fu e o ukelele. Toda esta experiência e saber é colocada ao serviço de “Perpetuum Mobile”, uma peça que tem no monólogo inicial um momento de enorme emoção e cujo dinamismo a aproxima do teatro físico. Na memória permanecerá também a mímica da actriz, os seus extraordinários dotes de comunicadora e a forma como, com a ajuda de uma lata, um xaile, uma colher de pau, uma travessa e uns grãos de arroz, nos apresenta a sua avó. Uma peça genial a todos os títulos.


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