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quarta-feira, 23 de março de 2022

TERTÚLIA LITERÁRIA: "Conversas às 5" | Álvaro Domingues



TERTÚLIA LITERÁRIA: “Conversas às 5”,
com Álvaro Domingues
Moderação | Joaquim Margarido Macedo
Auditório Dr. Correia de Campos | Centro de Reabilitação do Norte
22 Mar 2022 | ter | 17:00


A sexta sessão das Tertúlias Literárias “Conversas às 5” chamou ao Auditório Dr. Correia de Campos, no Centro de Reabilitação do Norte, o geógrafo Álvaro Domingues, doutorado em Geografia Humana pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e docente do mestrado integrado e do curso de doutoramento da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Tendo a Geografia Humana, Paisagem, Urbanismo e Políticas Urbanas como objecto de análise e estudo, Álvaro Domingues vem partilhando as suas impressões sobre as transformações sentidas nestas áreas através de um vasto conjunto de ensaios que tanto podem assumir a forma de um artigo no jornal Público, de uma exposição intitulada “Mouzinho: Da Ribeira ao Aeroporto” [patente até ao próximo dia 11 de Setembro na Casa do Infante, no Porto] ou de um conjunto de livros de onde se destacam “A Rua da Estrada”, “Vida no Campo” e “Volta a Portugal” ou o mais recente “Paisagens Transgénicas”.

A conversa começou com a abordagem a “geografias” e “territórios” familiares a Álvaro Domingues, na tentativa de se dar a conhecer um pouco melhor. É desta forma que “Melgaço” surge como um lugar que lhe é intrínseco, uma “geografia emocional”, por ser o lugar onde nasceu e onde regressa frequentemente. Também “Geografia”, curso tirado ao arrepio das expectativas do pai – que via nele um futuro médico ou economista –, e em cuja decisão uma professora de Geografia do Liceu Sá de Miranda, em Braga, “nos tempos irrepetíveis do 25 de Abril”, teve um papel fundamental. Ainda “Quarentena”, um tempo de enormes expectativas, de quebra de rotinas, e que o convidado associa a horas e horas a desenhar pássaros, “uma obsessão, quase uma doença”. Ou “Ucrânia”, uma “geografia complicada” de uma guerra assustadora que conjuga “um doido no poder, uma potência nuclear e uma economia que não é assim tão forte” com “um cúmulo de ressentimentos e de tropeções da História” e que “só não é inumana porque os humanos, infelizmente, são assim”.

“Como funciona a sua ligação à escrita?” parece ser a pergunta para um milhão de euros. “Tomara eu saber”, diz Álvaro Domingues, para quem o exercício da escrita se desenrola “por intermitências”. A escrita, não sendo propriamente errática, tem como ponto de partida “a capacidade intrínseca ao ser humano de lidar com conceitos, de pensar com aproximações abstractas àquilo que dizem que é a realidade.“As peças que estão na cabeça, como um puzzle, andam por ali a navegar (…); só me encorajo a escrever quando acho que as coisas estão suficientemente estabilizadas”, diz. A partir desse momento, o processo é “torrencial”. Já quanto à fotografia, vemo-la intimamente ligada à escrita de Álvaro Domingues para quem é algo que “provoca um distanciamento das coisas, ajuda a pensar”. É quase obrigatório encontrarmos nos seus textos uma fotografia que lhes está associada. Veremos, porém, que nem sempre a relação com o texto é linear, que a mensagem nem sempre é imediata. Também nós somos convidados a guardar a devida distância. Também nós somos obrigados a pensar.

Falando dos seus livros – “A Rua da Estrada nasceu de um corte com o estilo académico” –, foi tempo de recordar Nuno Portas e as longas viagens a Guimarães, “duas horas e meia, no mínimo, fosse por Santo Tirso, pela Trofa ou por Famalicão”, as discussões em torno da falta de cabimento da aplicação dos “princípios ditos da boa forma urbana” a uma região de povoamento disperso como o Vale do Ave, o “ADN” da urbanização, a falta de lógica da dicotomia rural / urbano, o edifício-montra e a casa-quitada. A conversa evoluiu então para a noção de ruralidade e para as “mitologias do último país rural da Europa, que persiste em inscrever no imaginário colectivo (e ao mesmo tempo) as imagens bucólicas e os destroços desse mundo perdido”. Não se trata de um simples jogo de palavras. A ruralidade “descoisou-se” e, ao “descoisar-se”… Desapareceu!

“O rural, quando tinha sentido, era tão consensual que era auto-explicativo. Ninguém perguntava “rural, como?”, começa por contar Álvaro Domingues, para logo enunciar “os três pilares da ruralidade”: “A base económica é a agricultura, a visão do mundo é tradicionalista – baseada nos valores da família, com um sentido profundo da religiosidade, avessa à novidade e ao cosmopolitismo – e a ruralidade está associada a uma paisagem e a uma identidade paisagística própria, à construção do território, como bem podemos perceber, por exemplo, no Douro Vinhateiro”. A verdade é que, sem nunca termos pensado muito nisto, a palavra foi “descolando” da realidade. Hoje a palavra “ruralidade” quase só tem cabimento naquilo que necessita de adjectivação para efeitos de marketing. “É um site de turismo rural, é a forma como um município se caracteriza, é rural para aqui e rural para acolá”, mas onde já nada existe de verdadeiramente rural.

Na parte final da tertúlia, Álvaro Domingues projectou algumas das suas imagens, contextualizando-as. Uma casa em ruínas colocada à venda por uma imobiliária, um rebanho de cabras que pasta junto a uma barragem ou as ovelhas que se passeiam por entre uma floresta de painéis fotovoltaicos na gigantesca central da Amareleja deram ensejo a falar da(s) natureza(s), do grau zero da civilização, da história da emigração e do regresso às origens, do Portugal profundo. A última imagem transporta-nos a Melgaço e, de alguma forma, às geografias sentimentais que marcaram o arranque desta tertúlia e que agora se fecha. Uma imagem de uma ruralidade que faz todo o sentido na cabeça de alguém que, de Lisboa, está de passagem, mas que é, comprovadamente, uma falácia. O pasto verdejante não passa de um devaneio do dono das terras, emigrante no estrangeiro mas que tem aqui o seu “entretém”. Foi longe, o sino toca a finados pela alma de um filho da terra que morreu no Canadá, a mais de cinco mil quilómetros de distância.

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