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domingo, 13 de janeiro de 2019

VISITA GUIADA: "O Porto dos Britânicos"


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VISITA GUIADA: “O Porto dos Britânicos”
Orientada por | César Santos Silva
Organizada por | Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos
12 Jan 2019 | sab | 10:00


Enquanto aguardam com natural expectativa o início da primeira Visita Guiada de 2019 promovida pela Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos, várias dezenas de pessoas vão-se juntando no outrora Campo Pequeno*, bebendo os débeis raios de sol que atravessam as árvores nuas de folhas, assim procurando espantar o frio. Para este dia, o historiador César Santos Silva propôs “O Porto dos Britânicos”, um tema deveras aliciante para mais um momento único de descoberta e partilha de conhecimentos e que irá decorrer sob a influência das palavras da escritora Rose Macaulay, também ela historiadora e que, nos anos 50 do século passado, escreveu “Os Ingleses no Porto”, obra de referência para a compreensão da importância dos britânicos na dinâmica da cidade: “É no Porto que encontramos a colónia mais retintamente britânica que jamais se estabeleceu no estrangeiro”.

Nos traços de ilustres britânicos que marcaram a história da cidade e que deixaram obra que perdura até aos nossos dias, os oitenta participantes começaram por visitar o Cemitério dos Britânicos da Igreja de Saint James, espaço que se abriga por detrás de altos muros, a denunciar os anos em que a Inquisição em Portugal perseguia as religiões que não a católica. Do monumento de homenagem aos britânicos envolvidos nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, às sepulturas dos combatentes da comunidade britânica, em mármore branco e carimbado com o símbolo e a inscrição “Royal Air Force”, da urna onde está sepultado John Whitehead, um dos impulsionadores da arquitectura urbanística do Porto, ao túmulo do Barão Joseph James Forrester, que não o é na verdade, já que os seus restos mortais nunca foram achados, é todo um livro de História que se abre ao olhar do visitante, despertando-o para realidades até então desconhecidas.

Segunda paragem no roteiro, o Palácio de Cristal foi recordado na forma clássica que precedeu o actual edifício, evocando o seu autor, o arquitecto britânico Thomas Dillen Jones e as vicissitudes sofridas ao longo de quase 100 anos (1865 – 1951) e que fizeram do palácio, nas palavras do Professor César Santos Silva, “um elefante branco”. A visita prossegue e as histórias sucedem-se: O Museu Nacional de Soares dos Reis, com a sua imponente fachada neo-clássica, que abriga nas traseiras o que resta do Real Velódromo Maria Amélia, inaugurado em 1894, com um britânico a tornar-se no primeiro velocipedista a vencer aqui uma corrida; o busto de Arthur Wellesley, 1º Duque de Wellington, recordando as Guerras Peninsulares e os aliados britânicos durante as Invasões Francesas; o já demolido Museu Portuense da Rua da Restauração ou Museu Allen, criado no segundo quartel do século XIX por João Francisco Allen, um coleccionista inveterado que chegou a reunir quase seis centenas de telas; o Hospital de Santo António, começado a construir em 15 de julho de 1770 segundo o projecto de John William Carr, arquitecto britânico que nunca esteve em Portugal; ainda o Antigo Clube Inglês, cujo terraço assenta numa das torres da muralha fernandina e que a partir de 1923 recebeu a sede do Oporto British Club, lugar de encontro da comunidade britânica no Porto.

Descendo a Rua de Belomonte em direcção à Rua de Ferreira Borges e à Praça do Infante, penetramos no coração financeiro da cidade, verdadeiramente a “baixa” do Porto, desde logo ao encontro do Instituto do Vinho do Porto. Aqui se condensam séculos de história em torno do cultivo da vinha em Portugal e, mais recentemente, desse produto-chave da economia nacional que é o próprio Vinho do Porto. A par com o da emblemática Dona Antónia Adelaide Ferreira, mais conhecida por Ferreirinha, aqui se fundem nomes como os de Cockburn ou Warre, Symington ou Croft, Delaforce ou Forrester, Sandeman ou Warre, verdadeiras instituições no comércio do Vinho do Porto, que persistem com invejável pujança no território negocial e que são símbolos inequívocos da portugalidade no mundo. O Palácio da Bolsa serve de pretexto para evocar alianças comerciais seculares com o Reino Unido e lembrar o início duma nova dinastia em Portugal com D. João I e a sua união a Dona Filipa de Lencastre, precisamente uma britânica. A visita viria a terminar na antiga Rua Nova dos Ingleses, junto à Feitoria Inglesa, a única Factory House das muitas que existiram em todo o mundo que sobreviveu até aos nossos dias. Sem ser possível visitar o interior do edifício, o Professor César Santos Silva deixou-nos a evocação dos Wednesday Lunches, da galeria de retratos ou da monumental cozinha, situada no último andar e que conserva ainda todo o equipamento original e a baixela primitiva.

As marcas dos britânicos no Porto não se quedam por aqui mas isso, obviamente, representa uma das facetas mais interessantes deste tipo de iniciativas, convidando à pesquisa e à descoberta a título individual. Entre os muitos aspectos por explorar, ficam algumas sugestões: Os primeiros taxis que circularam na cidade eram similares aos taxis londrinos; o serviço telefónico português cuja concessão foi entregue em 1887 à Anglo-Portuguese Telephone, exercendo a sua actividade em Portugal ao longo de setenta anos e que nos deixou a título de herança as típicas cabinas telefónicas que ainda se podem encontrar na cidade; as empresas têxteis como a William Graham ou a Coats & Clark; o Oporto Cricket & Lawn Tennis Club, fundado em 1855, o mais antigo clube da cidade; a Oporto British School, prestes a completar 125 anos de vida e que foi, no continente europeu, a primeira escola oficial inglesa; o Hospital dos Ingleses, encerrado graças às políticas do Estado Novo; também o Futebol e o grande emblema da cidade, fundado em 28 de Setembro de 1893 por António Nicolau de Almeida, um comerciante de Vinho do Porto, e que recebeu o nome de baptismo de Foot-Ball Club do Porto. Ficam as dicas e fica a promessa de nova Visita Guiada para a tarde de 26 de Janeiro, a assinalar o primeiro aniversário do Núcleo Museológico da Confraria. A não perder!


* Antes da implantação da República, chamava-se “Campo Pequeno” (ou “Piqueno”, seguindo a grafia da época) ao actual Largo da Maternidade de Julio Dinis, da mesma forma que o Campo 24 de Agosto era o Campo Grande, um trecho da Rua do Bonjardim se designava Bairro Alto e a Rua da Prata correspondia a uma parte da actual Rua do Bonfim.

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