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segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

LIVRO: "Salvação"



LIVRO: “Salvação”,
de Ana Cristina Silva
Ed. Edições Parsifal, Março de 2018


Pode a escrita sublimar a dor provocada pelo desaparecimento de alguém que nos é querido? Verter na ficção a dura realidade duma perda irreparável será remédio para mitigar o sentir mais amargo? A resposta a esta e outras questões vamos encontrá-la em “Salvação”, o mais recente romance de Ana Cristina Silva. Tal como no anterior “A Noite Não é Eterna”, a autora volta a mergulhar no mais profundo da natureza humana, escalpelizando angústias e conflitos para nos oferecer retratos psicológicos cuja complexidade e dimensão fascinam e assustam ao mesmo tempo.

Ao cabo de duros meses de luta contra um cancro particularmente maligno, Sofia acaba por sucumbir, deixando o marido num terrível desespero. Sem saber que rumo dar a uma vida que deixou de fazer sentido para si, David decide levar por diante o derradeiro pedido de Sofia e lança-se na escrita de um livro. Do seu luto nasce David Negro, personagem feita de dor e disposta a interpretar a morte no seu registo indizível. Colocando em paralelo o mundo pessoal do escritor e da personagem, Ana Cristina Silva faz avançar o romance pelos caminhos da descoberta interior, questionando o leitor sobre o sentido da vida.

Ao descrever com minúcia os estados de alma correspondentes às diferentes fases do luto, a autora estabelece vários níveis de leitura, nomeadamente aquele que diz respeito ao próprio processo de escrita, a pesquisa de mãos dadas com o real, acontecimentos que marcam a História ditados em paralelo, ainda que separados quatro séculos entre si. Mas é sobre a morte e aquilo que a determina que “Salvação” se debruça de forma mais directa e intensa. Das fogueiras da Inquisição aos recentes ataques de Bruxelas perpetrados por terroristas islâmicos, o leitor é confrontado com a ideia de que “matar faz parte da condição humana e que no rosto de muitos mortos foi apagada a centelha da vida para que se vingassem os mandamentos de um credo”. Um belo livro em cujas linhas se inscreve o desassossego de estar vivo.

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