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domingo, 9 de março de 2025

CONCERTO: "Sakamoto - 1996"



CONCERTO: “Sakamoto - 1996”
Com | João Vasco (piano), Pedro Lopes (violino), Fernando Costa (violoncelo)
Auditório de Espinho
07 Mar 2025 | sex | 21:30


Possuidor de uma vastíssima obra que se estende por mais de quatro décadas, Ryuichi Sakamoto é não só um dos compositores contemporâneos mais solicitados e aclamados, como provavelmente o mais versátil do panorama internacional. Quando se cumprem praticamente dois anos desde que nos deixou, a sua música continua a ser celebrada e a inspirar públicos de todas as gerações, reunindo um consenso de rara amplitude. De Bach a Debussy ou Schumann, de Steve Reich à música tradicional japonesa, do depurado tratamento melódico ao minimalismo surpreendente e cativante, a obra de Sakamoto evoca um eclético leque de influências que não deixa indiferentes aqueles que o escutam. As icónicas bandas sonoras que criou para filmes como “O Último Imperador”, “Babel”, “Merry Christmas Mr. Lawrence”, “Um Chá no Deserto” ou “O Monte dos Vendavais”, foram reunidas no trabalho discográfico “1996” – para piano, violino e violoncelo -, apresentado em duas digressões mundiais que consolidaram decisivamente o estatuto mítico deste músico e compositor.

Duas décadas volvidas, João Vasco inspirou-se na obra do mestre japonês para criar um conjunto de obras musicais que evocam o seu universo musical, daqui nascendo “2016”, disco e concerto apresentado em países de quatro continentes desde 2019. Para o concerto da passada sexta feira, num Auditório de Espinho completamente esgotado, o pianista João Vasco, acompanhado dos músicos Pedro Lopes (violino) e Fernando Costa (violoncelo), funde os dois trabalhos através da selecção de dez obras de “1996” e quatro obras de “2016”, fazendo-as acompanhar, à semelhança das apresentações do próprio Sakamoto, por obras de vídeo arte, concebidas por si para este projecto. Concerto de tributo a Ryuichi Sakamoto, “Sakamoto - 1996” recorre a partituras originais, disponíveis numa limitada e rara edição, supervisionada e revista pelo próprio autor. O trio de piano, violino e violoncelo criado pelo pianista e compositor João Vasco é, actualmente, uma das poucas formações no mundo a apresentar a obra “1996” em concerto.

Transportado numa viagem aos lugares intocados de uma natureza em estado puro, o público sorveu em êxtase um conjunto de temas de rara inspiração e beleza. Emotivos, inspirados, demonstrando um apuro técnico e um nível de cumplicidade absolutamente únicos, os músicos partiram ao encontro de temas reconhecíveis pela forma como recorrentemente são escutados nos mais variados contextos, sendo “Aqua” e “Merry Christmas Mr. Lawrence” os mais icónicos. Temas como “Rain” ou “Bibo no Aozora” reforçaram o carácter profundamente intimista da música de Sakamoto, fazendo da viagem um afago aos sentidos, ao encontro do mais fundo e querido de cada um dos espectadores. Mas foi nos temas compostos por João Vasco que residiu a nota de maior surpresa. Uma surpresa feliz, porquanto a sua música se revela herdeira das particularidades conceptuais e formais de Sakamoto, sendo capaz, ao mesmo tempo, de agregar influências de um cancioneiro tradicional tão vasto e rico como o nosso. “Bernardo” é disso a prova provada, cotando-se como o ponto mais alto do concerto. Se “Sakamoto - 1996” foi um muito bom concerto, pergunto-me se “João Vasco - 2016” não teria sido excepcional.

sexta-feira, 15 de março de 2024

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Os Sobreviventes"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Os Sobreviventes”,
de Pedro Lopes
Curadoria | Lígia Pode
Entrevistas | Adriana Rocha
🖤 GALERIA, Rua Gomes Freire nº1
09 Mar > 21 Abr 2024


“Das memórias, das histórias, dos rostos das pessoas é também feita uma cidade.
De quem se entrega, de quem trabalha, de quem fica.
E ao longo dos anos que passaram, tantas lojas que desapareceram e tantas que permanecerão para sempre marcadas no tempo… Mas ficaram muitas de que gostamos. As lojas desta cidade. Permanecem vivas, são precisas, são nossas.
E é bonito homenagear-se assim a nossa terra, homenagear-se também uma Mãe. Uma flor para quem aqui trabalha, para quem aqui continua a honrar e a preservar a nossa identidade! E uma flor para a Mãe das nossas gentes, donde vimos, por quem somos: a nossa linda Ovar!”
Alexandra Gondin

Há, no Ovarmemórias, uma foto de 1962 que mostra a Igreja Matriz à noite, vista da Capela da Senhora da Graça. Nela se percebe, do lado esquerdo da Rua Gomes Freire, o muro de uma quinta que termina naquela que é hoje a Casa-Museu de Arte Sacra da Ordem Franciscana Secular. Aquela quinta não é do meu tempo, sempre conheci no seu lugar o “prédio da Marimar”. Digo isto porque, salvo raras excepções, a toponímia da vila era marcada pelos vários comércios: o Reis dos jornais, o Rodrigues da farmácia, o Idálio da barbearia, o Jorge da mercearia, o Diamantino dos móveis, o Zé dos vidros ou a Marimar, uma loja de electrodomésticos. Era o tempo de um comércio que dispensava o “tradicional” porque não havia outro. Um tempo recheado de histórias e memórias que se assumem hoje como parte intrínseca do ser vareiro. E que revisitamos graças ao olhar atento e sensível de Pedro Lopes e dos textos magníficos de Adriana Rocha, numa exposição de fotografia muito justamente intitulada “Os Sobreviventes”.

Entremos, pois, no “prédio da Marimar”. É lá que somos acolhidos de braços abertos pela D. Ana do Delmar, com ela lembrando viagens de tempos idos, quando nem sonhávamos com ryanair’s, airbnb’s e tripadvisor’s. Também pelo Senhor Lopes, com quem partilhámos gloriosas noitadas de ping-pong na sede do Orfeão, ali aos Combatentes; ou pelo Paciência e o seu brio na afinação das “máquinas” a pedal; ou pelo Coutinho e o dedo para a cozinha que é parte do seu ADN. De quase todas estas pessoas guardamos uma palavra avisada, um conselho, uma opinião, uma atenção. Daí que “Os Sobreviventes” seja uma mostra do domínio dos afectos. Porque nos convida a demorar o olhar na Maria José Ferreira e no Joaquim Matos e a ver que, entre as mãos, seguram o retrato do Zé Calor, um homem que recordo bem com a sua oficina e loja de móveis ali ao cimo dos Pelames. Porque me lembra o Coutinho pai, o Paciência pai, os irmãos Saramago, o Silvério, o Senhor Machado ou o Senhor Gama, pessoas que guardamos com a maior estima. Porque me traz outros nomes que aqui não constam, do Casas ao João e à Álida Costa, do Fonseca da Carvalho à Estrelinha, do Alberto do Batista ao Amaral das barbas ou ao Amarino do cinema.

Sabia que a Lavandaria Branca de Neve guarda uma história de trabalho com 57 anos? Que a Florista Fernandinha começou por ser um negócio agrícola com a venda de sementes, milho e farinhas? Que a Foto Lisboa é a loja mais antiga de fotografia no território nacional e uma das mais antigas do mundo em actividade? Que foi Áureo Neves quem abriu a primeira óptica de Ovar? Entre “comos” e “porquês”, com muitos dados interessantes de permeio - a idade média das quase quatro dezenas de pessoas representadas neste painel é superior a 65 anos -, vemos que nem só de imagens vive “Os Sobreviventes”. Cada protagonista desta história bonita tem a(s) sua(s) história(s) para contar e Adriana Rocha faz, ao nível das entrevistas, um trabalho admirável. Os textos que enquadram cada um dos “sobreviventes” são um resumo daquilo que é a sua história completa e que pode ser lida abrindo uma página através da leitura dos QR code disponibilizados. O resto é a coragem, a resiliência, as histórias de superação que todos partilham, os vínculos fortes que os unem à sua terra (por nascimento ou adopção). Rejeitando saudosismos e olhando o futuro de frente.