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quinta-feira, 18 de setembro de 2025

LUGARES: Sé da Guarda



LUGARES: Sé da Guarda
Praça Luís de Camões, Guarda
Horários | Das 10h00 às 13h00 e das 14h00 às 17h30, de 01 de Abril a 31 de Outubro; das 09h30 às 13h00 e das 14h00 às 17h00, de 01 de Novembro a 30 de Março
Ingressos | € 1,50 bilhete normal (€ 2,50 com visita à cobertura)


Também conhecida como Catedral de Nossa Senhora da Assunção, a Sé da Guarda constitui um notável testemunho da arquitectura religiosa portuguesa tardo-medieval e renascentista, testemunhando um processo construtivo que se estendeu dos finais do século XIV até ao século XVI. Erigida sobre uma anterior igreja românica, a actual estrutura revela uma síntese estilística marcada pela sobreposição de influências românicas, góticas, manuelinas e maneiristas, reflectindo os sucessivos momentos de intervenção e o longo período da sua edificação. A planta em cruz latina, de três naves escalonadas com cinco tramos cada, transepto saliente e cabeceira tripartida de capelas poligonais, segue o modelo das igrejas mendicantes, sendo coberta por abóbadas de ogiva nas naves, e abóbadas polinervadas ou em estrela nos restantes espaços. O edifício apresenta soluções técnicas e formais notáveis para a época, como a unidade de altura entre nave central e capela-mor, antecipando o ideal espacial unificado que marcaria a transição para o Renascimento. A iluminação, escassa, provém sobretudo do clerestório da nave principal, numa solução que denota ainda a influência do românico, tal como a presença de arcos de volta perfeita e a decoração vegetalista de alguns capitéis.

Exteriormente, a fachada principal revela um desenho harmonioso, de corpo reentrante e remate em platibanda recortada, destacando-se o portal principal profusamente decorado com motivos manuelinos – arcos canopiais, colunelos torsos e cogulhos – encimado por um óculo central. As torres sineiras, robustas e de planta poligonal, estão rematadas por ameias decorativas e abertas por ventanas de volta perfeita. As fachadas laterais, escalonadas, são marcadas pela cadência dos contrafortes e arcobotantes coroados por pináculos rendilhados de influência tardo-gótica. No conjunto, sobressai a ornamentação esculpida em pedra de Ançã, característica da escola coimbrã, patente nos retábulos das capelas laterais e sobretudo no imponente retábulo escultórico maneirista da capela-mor, da autoria de João de Ruão, e que corresponde a uma hierarquia do espaço celeste. O interior do templo é ainda marcado pela presença do cadeiral barroco da capela-mor, de duas ordens de assentos, e por diversas capelas laterais e particulares, algumas com decoração maneirista e outras de feição mais austera, mas revelando ainda portais manuelinos. A função funerária da catedral é evidenciada pelas sepulturas pavimentares dos séculos XVI e XVII, testemunho do prestígio eclesiástico e social dos seus patronos.

A Sé da Guarda é um exemplar paradigmático da arquitetura religiosa portuguesa pela sua dimensão, coerência estrutural e riqueza ornamental. A construção foi amplamente patrocinada pelos bispos da diocese, destacando-se a figura de D. Pedro Gavião, cujo brasão figura em vários pontos do edifício, testemunhando o seu mecenato. O edifício, embora tenha perdido a decoração barroca no decurso de restauros oitocentistas orientados por ideais puristas, mantém ainda uma leitura cronologicamente complexa, refletindo as continuidades e rupturas estilísticas próprias da arquitetura catedralícia portuguesa entre a Idade Média e a Época Moderna. Como curiosidade, é de salientar que a elevação do cruzeiro do transepto pode ser interpretada como herança formal das torres-lanternas das catedrais românicas, conferindo ao espaço interior uma verticalidade simbólica. Monumento Nacional desde 1910, a Sé da Guarda permanece como símbolo identitário da cidade e da região da Beira Interior, sendo também um testemunho eloquente da persistência de modelos arquitectónicos e artísticos ao longo de três séculos de história construtiva.

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