Com uma longa e rica tradição agrícola, a região do Baixo Vouga Lagunar é uma das poucas no país onde a cultura do arroz subsiste. Centro nevrálgico de uma actividade que contribuiu para moldar não apenas a paisagem e a biodiversidade, mas também a identidade cultural da região, Estarreja é, hoje e sempre, uma referência da orizicultura portuguesa, tanto pela persistência de um pequeno núcleo de produtores que teimam em manter vivo o cultivo do arroz, como pela consciência da importância de saber conservar as memórias de um passado significativo. A caminho dos cinco mil visitantes e com um apaixonante Trabalho de Museografia reconhecido pela Associação Portuguesa de Museologia, no passado mês de Junho, com uma Menção Honrosa, o Museu Fábrica da História - Arroz cumpriu, no passado fim de semana, a sua primeira volta ao sol. Porque a efeméride assim o justificava, os seus responsáveis fizeram questão de assinalar a data com um programa rico e variado, graças ao qual foi possível recuar no tempo, voltar a escutar as sons próprios da fábrica, as conversas dos trabalhadores, as manobras dos vagões de carga na vizinha estação de caminho de ferro, a sirene que, quatro vezes ao dia, assinalava o início e o fim de mais uma jornada.
O programa comemorativo teve início na Casa Municipal da Cultura de Estarreja com a inauguração de uma parte da exposição de fotografia de Camilo Rego, “do teu arrozal.”. São imagens que exprimem um olhar atento à relação íntima entre o ser humano e a natureza, que nos levam a compreender - numa paisagem dominada pelo azul da água, o verde das hastes de arroz que dela parecem brotar e o âmbar das espigas maduras - uma história de esforço e comunhão, cuidado e resiliência, elevando o quotidiano rural à dignidade da arte visual. Nas breves, mas muito belas palavras dirigidas ao presentes, Camilo Rego disse, e cito de cor, que podemos podar uma planta, despi-la de folhas, que ela regenar-se-á. Só não podemos cortar-lhe a raíz. É um pouco nesse sentido que o trabalho do fotógrafo é dirigido, contribuindo para preservar a memória de uma prática que importa alavancar - pela biodiversidade única e por toda uma rica herança cultural que lhe estão associadas. Por isso, “do teu arrozal.” é trabalho. Mas é também identidade e território, sementeira e colheita, grão e laço. “O elo entre o passado e o presente, entre o bago e as gentes da terra”.
Já no Museu, teve lugar a inauguração do Percurso Sonoro e Emotivo, um convite ao público a que percorra o espaço e viva uma visita sensorial e emotiva. O texto é de Ricardo Correia, a banda sonora e gravação estúdio de Luís Pedro Madeira e as vozes pertencem a um conjunto de pessoas da comunidade estarrejense, algumas delas antigos trabalhadores da “Hidro-Eléctrica”. Basta um telemóvel e uns auscultadores, e abrem-se aos sentidos os sons e silêncios do trabalho, da pausa e da animação, os nomes dos equipamentos usados no processo de descasque, a história do fundador Carlos Marques Rodrigues, os testemunhos daqueles que à fábrica dedicaram parte das suas vidas, deles transparecendo o sentimento de pertença e o envolvimento com um património que urge preservar. “Mondando Contos”, com Luís Correia Carmelo e Estefânia Surreira, fechou o dia da melhor forma. Ao longo de pouco mais de uma hora, o duo trouxe-nos, de forma terna e sensível, o seu olhar apaixonado sobre as particularidades da natureza humana. Uma “monda de palavras” ditas, revivendo a tradição de partilhar histórias ao serão e lembrando a riqueza de permanecer num lugar-comum feito de simplicidade e muito amor.
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