CONCERTO: “Cromatismo en la Polifonia Inglesa (sec. XV - XVII)”
Quadrivium Ensemble
Com | Raquel Rodríguez, Emilia Polewka, Nuria Rodríguez, Pablo Sainz, Zsolt Nagyváti, Laura Cobos, Matías A. Noisel, Xavier Dupac, Eduardo Duque, Claudio Jiménez, Wouter de Wilder, Lennin Cid
Festival Renacen 2025
Capela da Fundação Carlos de Amberes, Madrid
24 Abr 2025 | qui | 19:00
No âmbito da sexta edição do Festival Renacen de música e artes cénicas, a Capela da Fundação Carlos de Amberes acolheu o Quadrivium Ensemble para um programa de música antiga dedicado ao cromatismo na polifonia inglesa dos séculos XV, XVI e XVII. O concerto encerrou uma proposta de viagem pelo desenvolvimento e mudança nas fórmulas de composição da música sacra inglesa do período medieval tardio, desde a estreita relação com o estilo e as harmonias da música popular, ao novo estilo inglês, influenciado pelo velho continente, que evoluiu para uma utilização suave da música, conduzindo a um estilo mais limpo e mais fluido. Apenas com uma cópia do magnífico quadro de Peter Paul Rubens, “Martírio de Santo André”, na parede correspondente ao altar-mor, o depurado espaço da Capela revelou-se perfeito para o conjunto de dez magníficas vozes que preencheram de cor e vida um programa particularmente apelativo. A notável condição acústica do espaço proporcionou uma audição perfeita das dez peças interpretadas, fazendo do tempo do concerto um momento de enorme beleza e espiritualidade.
“Jesus Autem Transiens, Credo in Deum”, invulgar composição de Robert Wylkynson - acrescentada à mão ao relevante livro do coro de Eton, que milagrosamente sobreviveu à Reforma Protestante de Henrique VIII -, combina a antífona Magnificat do terceiro Domingo da Quaresma e o Credo dos Apóstolos, seguindo um esquema tradicional e atribuindo frases individuais do Credo a cada apóstolo por meio de um cânone. A chegada ao palco dos elementos do coro, cada um dos quais entoando uma frase musical, e a forma como as vozes se foram combinando até ao momento em que o ensemble ficou completo, ficará para sempre na memória dos presentes como um momento de rara inspiração compositiva e demonstrativo da qualidade e sensibilidade do agrupamento. Continuando esta influência medieval, John Dunstable, pai da polifonia inglesa, astrónomo e homem de grande cultura na arte do Quadrivium, continua a utilizar o isoritmo e a sincopação extrema nas vozes superiores, enquanto simplifica os ritmos e as linhas harmónicas nas vozes inferiores, utilizando a voz de tenor como cantus firmus do hino “Veni Creator Spiritus”.
A entrada da Reforma Protestante trouxe uma mudança através de dispositivos como o uso de terças e sextas e a perda de complexidade rítmica através do uso de melismas mais curtos. Isto fez com que a música ganhasse em vitalidade e dinâmica harmónica. As linhas polifónicas de igual importância, as texturas a quatro vozes, as imitações e o controlo das dissonâncias podem refletir a rejeição das velhas fórmulas. Este estilo foi estabelecido como modelo para a música religiosa do seu tempo pela estrita relação silábica da música e do texto, adaptando-o ao seu próprio vernáculo ao utilizar recorrentemente os hinos, casos de “How are the Mighty Fallen”, de Thomas Tomkins. Um caso curioso é o de William Byrd, que conseguiu contornar os modelos propostos pelo protestantismo com uma polifonia mais clara e simples que permitia uma melhor compreensão do texto latino, que não pertencia necessariamente à liturgia com uma grande permeabilidade dos estilos continentais que o Concílio Católico de Trento e mestres contemporâneos como Palestrina e Tomás Luis de Victoria desenvolveram.
Seguindo esta grande influência italiana e combinando-a com fórmulas tradicionais do Reino de Inglaterra, encontramos provavelmente um dos maiores compositores ingleses de todos os tempos, Henry Purcell, que com o seu estilo peculiar foi uma charneira estilística para o barroco incipiente. Foi com ele e com a peça “Hear my Prayer oh Lord” que se completou o alinhamento do concerto, o qual viria a prolongar-se num encore muito saudado com John Tavener e o extraordinário “The Lamb”. Se há algo que fica deste concerto é, para além da qualidade do Quadrivium Ensemble e da excelência de cada um dos seus elementos, a possibilidade de podermos observar, em tempos turbulentos e de mudança de espiritualidade - desde a livre Idade Média tardia, passando pelo Protestantismo rigoroso e pela simples clareza das tendências europeias -, um traço comum neste percurso de desenvolvimento musical: A utilização da alteração cromática das notas, com uma clara reminiscência harmónica medieval sobrevivente às mudanças estilísticas, para enfatizar sentimentos elevados. Esta expressão musical de espiritualidade confere um misticismo inegável, único, dramático e intenso ao som, uma marca registada do antigo reino anglo-saxónico que o Quadrivium Ensemble tão bem soube mostrar.
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