CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #94
Com | Maria Trigo Teixeira, Gonçalo L. Almeida, Dinis Leal Machado
Apresentação | Tiago Alves
150 Minutos | Maiores de 14 Anos
Escola de Artes e Ofícios
17 Abr 2025 | qui | 21:30
Um pouco mais cedo do que o habitual devido às festividades pascoais, o Shortcutz Ovar viu cumprida mais uma sessão regular da presente temporada. De novo com casa cheia, o programa do serão cinéfilo teve para oferecer imagem animada, documentário e ficção, em três curtas-metragens centradas em questões de cariz intergeracional, de proximidade e relação, em linha com a quadra que atravessamos. Curiosamente, tanto Gonçalo L. Almeida como Dinis Leal Machado e Maria Trigo Teixeira já tinham pisado anteriormente o palco do Shortcutz Ovar, sendo este um regresso aclamado e recheado de boas propostas. “Amanhã Não Dão Chuva” foi o filme que abriu a sessão e no qual Maria Trigo Teixeira fala de envelhecimento e de factores a ele associados como a solidão, a doença ou a dependência. Nesta relação de uma mãe com uma filha, porém, aquilo que mais avulta são as memórias que se vão perdendo irremediavelmente, deixando incompleto o imbricado puzzle em que as nossas vidas se vão tornando. Baseada no trabalho a carvão, a animação tem momentos de enorme beleza, com a realizadora a trazer para o desenho seguinte alguns traços do anterior, tornando claro que cada acto nosso deixa uma marca que só o tempo se encarregará de fazer desaparecer.
“A Reforma de Manuel Lima” preencheu o espaço intermédio da sessão, espalhando uma nota de humor pela sala na história de um reformado que, aos 84 anos, luta diariamente contra a inactividade e o ócio, ao mesmo tempo que olha em retrospectiva alguns dos momentos mais significativos da sua vida. Realizado em contexto familiar - Gonçalo L. Almeida é neto do protagonista e os figurantes são membros da família - o documentário surge no âmbito do “Laboratório do Envelhecimento”, projecto inovador do Município de Ílhavo e um espaço de excelência na produção de conhecimento sobre a área do envelhecimento humano, através da sinergia entre os eixos do conhecimento, cooperação, partilhas, capacitação e descobertas. Do distante ofício de alfaiate ou dos anos passados numa empresa de pequenos e grandes domésticos, ao presente entre a casa e o quintal, o teatro, as danças de salão e a participação esporádica em programas televisivos de entretenimento, a vida de Manuel Lima é o retrato fiel de uma realidade que diz muito da forma como a sociedade trata os nossos idosos, deixando-os à mercê das dificuldades crescentes para empregar o seu tempo de forma útil, cada vez mais agarrados às memórias de um passado que não volta, mais descrentes e ociosos, mais dependentes e sós. Um belo presente de um neto para o seu avô, testemunho vivo de momentos felizes que ficarão para sempre no coração de todos.
“Solda”, uma quase média-metragem nos seus trinta e cinco minutos de duração, foi o filme que encerrou a sessão. Ficção de Dinis Leal Machado centrada na relação de um pai, serralheiro, e de um filho, estudante de Belas-Artes, o filme sai em busca dos vínculos de união entre os dois, a partir daquilo que os separa. O conflito de gerações volta a tomar conta da história, reflectindo-se na atitude de quem possui um saber de experiência feito e de quem da vida apenas conhece o que vem nos livros. Embora menosprezada ou ignorada por uma academia que insiste na conceptualização e na teorização dos seus objectos de estudo, a verdade que reside no lado prático e simples das coisas acaba por vingar, nela residindo o fulgor que desbloqueia os impasses e faz com que a vida flua: Bela e surpreendente, criativa e livre. Recheado de momentos bem humorados, o filme chega a ser comovente na forma como desenvolve a relação entre pai e filho, ao mesmo tempo que estabelece uma visão irónica sobre a realidade da arte e as diferentes formas de olhar o objecto artístico. A par de um argumento de enorme solidez e da paixão que Dinis Leal Machado coloca na feitura deste filme, “Solda” tem no actor Adriano Carvalho um dos seus maiores trunfos, capaz de exprimir na perfeição a riqueza de sentimentos que atravessam a personagem. Um momento precioso de cinema!
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