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domingo, 30 de março de 2025

EXPOSIÇÃO: “Um Olho Verde, Outro Azul: Herbário do Antropoceno” | Paula Roush



EXPOSIÇÃO: “Um Olho Verde, Outro Azul: Herbário do Antropoceno”,
de Paula Roush
(In)visibilidades e Derivas
MIRA Galerias | MIRA FORUM
08 Mar > 03 Mai 2025


“Um Olho Verde, Outro Azul: Herbário do Antropoceno” emerge do cenário mutável de Campanhã, onde infra-estruturas industriais abandonadas estão a ser apagadas e reaproveitadas para empreendimentos imobiliários de luxo. Através de uma abordagem experimental à criação de imagens, o projeto questiona quem e o que pode habitar estes espaços de transição. Vagueando pelas ruínas de antigas fábricas têxteis e pelos terrenos em redor da antiga central eléctrica, Paula Roush recolheu plantas com o intuito de criar um herbário do antropoceno, utilizando processos fotográficos baseados em energia solar, como cianotipias e fitogramas. A pesquisa estendeu-se ao Arquivo Histórico do Porto, ao encontro de plantas arquitectónicas de armazéns e centrais hidroeléctricas, a fontes digitais como blogues dedicados à arqueologia industrial e à memória urbana, bem como a pesquisas académicas encontradas nos portais da Universidade do Porto, onde materiais industriais obsoletos e documentos históricos circulam como vestígios da desindustrialização.

O recurso a um conjunto de agentes algorítmicos permitiu a geração de bio-imagens que funcionam como uma extensão especulativa desta pesquisa. As informações recolhidas foram codificadas em prompts para gerar novas imagens, ampliando a leitura do território através de processos de inteligência artificial. Estas imagens serviram também como base para o desenvolvimento de novos têxteis, produzidos em fábricas de impressão digital, acrescentando uma nova camada de materialidade e circulação aos vestígios de Campanhã. Estas imagens desafiam a contínua reinscrição do vazio industrial - através do abandono, da especulação imobiliária e da estetização da ruína - e expõem a abstração da paisagem como um processo activo de exclusão. A lógica do vazio não se limita à ausência material, mas à sua reconfiguração como mercadoria, potencial de lucro e superfície estética. No entanto, a ruína não é neutra. Estes espaços têm as marcas da exploração laboral, da degradação ambiental e da resistência.

Se a abstração apaga as histórias dos lugares para as reinscrever como imagens especulativas de um futuro lucrativo, este projecto procura devolver o corpo e a memória ao que foi silenciado. Ao recuperar as ruínas como locais de memória e persistência, “Um Olho Verde, Outro Azul: Herbário do Antropoceno”' traz as histórias apagadas para o centro da narrativa, situando as transformações de Campanhã num contexto mais amplo de colonialismo, capitalismo e deslocação. Assim, talvez este projecto seja, também, sobre a escuta do visível, sobre a possibilidade de perceber o que já não soa, mas ainda vibra. Sobre um arquivo que não se fecha no silêncio, mas que continua a gerar novas frequências - como as ruínas, que nunca são vazias, mas habitadas por histórias, ecossistemas e resistências que se recusam a desaparecer. Contando com colaborações várias, nomeadamente ao nível da curadoria de conteúdos, agentes algorítmicos, cianotipias e instalação, entre outras, este é mais um projecto de enorme impacto visual e significado patente no MIRA, que pode ser visto até 03 de Maio.

[Texto baseado na Folha de Sala da Exposição e na página da artista, em https://www.msdm.org.uk/project/olho-verde-outro-azul-herbarium-for-the-anthropocene-installation]


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