LIVRO: “Como Saciar um Ditador”,
de Witold Szabłowski
Título original | “Jak nakarmić dyktatora” (© Witold Szabłowski 2019)
Tradução | Violetta Gawor
Ed. Livros Zigurate, Outubro de 2024
“Se eu tinha o jantar pronto? Claro que tinha. O golpe anterior ensinou-me que o trabalho dos generais são os golpes. O trabalho do cozinheiro é ter as mãos lavadas e o avental limpo. E cozinhar. Nada te serve de desculpa para não trabalhares, porque quando eles já tiverem consumado o golpe, hão-de estar de estômago vazio, e desde que tenhas alguma coisa boa para lhes servires, há uma boa hipótese de não te matarem.”
Qual seria o pequeno-almoço preferido de Jorge Rafael Videla, responsável por semear o terror na Argentina e levar ao desaparecimento de mais de trinta mil opositores? Terá Muammar Kadhafi apreciado a sua habitual taça de leite de dromedário no dia em que ordenou o atentado ao avião da Pan Am que matou 270 pessoas? O que é que Benjamin Netanyahu terá jantado depois de saber que o ataque aéreo a duas casas no campo de refugiados de Maghazi, no centro de Gaza, tinha ceifado a vida a onze membros da mesma família? Como eram os almoços do Papa Doc, responsável pelo assassinato e desaparecimento de 150.000 haitianos? Em momentos-chave da História, são muitas as figuras que se notabilizaram pela sua sede de poder e de vingança, vertida numa crueldade inominável e na perpetração de verdadeiros crimes contra a humanidade. Figuras que, apesar do clima de brutalidade e de terror que as rodeava, mantinham hábitos de vida “normais”, rodeados da família, dando os seus passeios, repousando, lendo ou ouvindo música, recuperando de uma constipação, fazendo as suas refeições.
Foi pelas refeições de torcionários e ditadores que Witold Szabłowski pegou neste seu livro, ao encontro dessas figuras sinistras, graças aos testemunhos daqueles que para elas cozinharam. Dos que enfrentaram desafios inomináveis para agradar àqueles que tinham o poder de, com um gesto, as fazer desaparecer para sempre. Que conheciam as particularidades de cada um deles em matéria de paladar e eram capazes de replicar um prato quando faltavam os ingredientes essenciais. Que sabiam, por experiência própria, que um ditador saciado era um ditador mais tolerante. Que intuíam que a sua arte de bem cozinhar era capaz de mudar o rumo da História. Numa longa viagem pelo mundo, da Albânia ao Iraque, de Cuba ao Camboja e ao Uganda, o escritor parte ao encontro dos cozinheiros que serviram ditadores como Enver Hoxha, Saddam Hussein, Fidel Castro, Pol Pot e Idi Amin Dada, ouvindo as suas histórias pessoais enquanto bebia um rum ou ajudava a preparar uma sopa agridoce, um pilaf com carne de cabra, um peixe com molho de manga, um sheqerpare ou uma salada de papaia.
Aparentemente simples nos seus pressupostos, “Como Saciar um Ditador” revela-se de uma complexidade insuspeitada ao dizer-nos algo tão elementar quanto isto: A responsabilidade de alimentar uma personalidade volúvel, ciente da sua força e poder, é algo de particularmente sensível e, no limite, um acto político. Sabendo que tudo pode depender dos caprichos de uma pessoa, o cozinheiro tem nas mãos não apenas a sua sobrevivência, mas a de muitos. A par das histórias à volta dos pratos favoritos, das refeições familiares ou dos sustos causados por uma ou outra indigestão, o livro aborda a grande História, convidando o leitor a espreitar a cozinha e a sala de jantar de palácios ou de simples tendas, espaços familiares onde a megalomania, a monstruosidade e a crueldade se cruzam com o aroma do alecrim, da corcuma ou do gengibre. Misturando testemunhos com breves apontamentos históricos destinados a contextualizar cada ditadura, Witold Szabłowski evoca inteligentemente os ditadores e o seu lugar na História, lembrando que os monstros também são produto da Humanidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário