CINEMA: “O Brutalista” / “The Brutalist”
Realização | Brady Corbet
Argumento | Brady Corbet, Mona Fastvold
Fotografia | Lol Crawley
Montagem | Dávid Jancsó
Interpretação | Adrien Brody, Felicity Jones, Guy Pearce, Joe Alwyn, Raffey Cassidy, Stacy Martin, Isaach De Bankolé, Alessandro Nivola, Ariane Labed, Michael Epp, Emma Laird, Jonathan Hyde, Peter Polycarpou, Sand, Salvatore Sansone, Zephan Hanson Amissah
Produção | Nick Gordon, D.J. Gugenheim, Andrew Lauren, Trevor Matthews, Andrew Morrison, Brian Young
Estados Unidos, Reino Unido, Canadá | 2024 | Drama | 214 Minutos | Maiores de 16 Anos
UCI Arrábida 20 – Sala 11
27 Jan 2025 | seg | 13:20
O início do filme instala o espectador no meio do caos, induzindo nele a ideia de poder estar a assistir à deportação de judeus para um campo de concentração ou a viver os momentos de angústia antes da entrada numa câmara de gás. Trata-se, afinal, de um navio repleto de refugiados europeus que chega aos Estados Unidos da América, local eleito para o início de uma nova vida. Entre eles encontra-se o húngaro László Toth, que vemos a tentar romper por entre a multidão e a ter um vislumbre de uma Estátua da Liberdade de pernas para o ar, como se o sonho americano fosse uma realidade truncada, impossível de alcançar. O ano é o de 1947 e o filme dá os primeiros passos, revelando uma radical forma de composição, tanto na sua estrutura sombria, quanto na estética depurada e no peso épico, como se feito de gigantescos blocos de cimento em bruto. Estamos perante “O Brutalista”, cujo título remete directamente para o movimento arquitectónico surgido no pós-II Guerra Mundial e que se faz notar pelo uso de materiais construtivos em bruto, em particular o betão, conferindo às estruturas a aparência dos materiais que realmente as compõem. É este cimento em bruto, áspero e denso, que contamina o filme e o envolve formalmente por completo, embora se pressinta, nas suas várias camadas, todo um ambiente emocional de violência e brutalidade que releva o humano em detrimento do inanimado.
Embora “O Brutalista” comece por trazer à superfície os efeitos destrutivos da II Guerra Mundial, o realizador acabará por colocar o peso dessa destruição nos ombros de Toth. Até ao eclodir do conflito, a sua vida na Hungria natal foi marcada pelo sucesso enquanto arquitecto talentoso e que agora procura reconstruir a sua reputação no Novo Mundo. Não se pense, porém, que estamos perante um modelo de virtude, como se percebe numa das primeiras sequências do filme, com a visita a um prostíbulo logo que desembarca em Nova Iorque. Posteriormente perceberemos uma forte dependência do álcool e da heroína, alegadamente para apaziguar as dores resultantes de um traumatismo facial. Mas é com satisfação que o espectador o vê singrar num ambiente profundamente hostil, graças a um golpe do destino que acaba por lhe dar a mão. Há também Erzsébet Toth, a esposa de Lászlo, que virá a juntar-se a ele nos Estados Unidos, apesar da osteoporose severa de que sofre, em virtude das privações durante o conflito, o que a obriga a deslocar-se numa cadeira de rodas. E há, ainda, Harrison Lee Van Burren, magnata de temperamento explosivo, que contrata Lászlo para concretizar um grande projecto imobiliário e que acaba por revelar o seu lado mais sombrio, manipulador e abusador.
A colagem do realizador Brady Corbet a uma estética que encontra na arquitectura os seus elementos criativos, não despreza a aproximação a outras artes, como o design ou o marketing. Assim, o estilo de apresentação do genérico inicial remete para um certo modelo publicitário, permitindo antecipar a linguagem visual que acabará por se impor ao longo do filme. Além disso, “O Brutalista” é alimentado pelo formalismo, com o realizador a acrescentar um intervalo de quinze minutos num momento que corresponde ao final de uma hipotética primeira parte. Este formalismo contamina todo o filme, com a sua nudez única, a crueza dos materiais e o arrojo das linhas geométricas que se erguem dos edifícios a encontrar paralelo na estrutura rude das personagens, no seu lado cinzento e sombrio, mas também na sua profunda honestidade e verdade. Segmentando o filme em blocos individualizados, a partir dos quais o vai construindo, o realizador confia na capacidade do “espectador-pedreiro” para se aproximar da perfeição. Numa apreciação muito pessoal, os blocos desiguais geram altos e baixos que perturbam a fluidez do filme e condicionam a sua economia narrativa. A diferença entre o optimismo envolvente da primeira parte, e a aridez da segunda metade, é clara. Há, enfim, uma conclusão desconcertante, que deixa o espectador perdido após mais de três horas e meia de filme. O resultado é desigual, como se o edifício erguido por Corbet tivesse o telhado a meio da casa e a porta da rua no lugar da chaminé. Mas nisto da arquitectura, como em muitas outras artes, ele há gostos para tudo.
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