EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Miragaia 1975 – Vida e Luta no Pós-25 de Abril”,
de Humphry Trevelyan
Centro Português de Fotografia
20 Out 2024 > 09 Fev 2025
Evocado na Assembleia da República com a pompa e circunstância que a data (não) merece, o 25 de Novembro suscitou em muitos sectores da sociedade civil e da classe política reacções acesas e opiniões divergentes. Num texto partilhado na sua página do Facebook, a autora e professora Elisa Costa Pinto relata a experiência pessoal numa aula com o professor Lindley Cintra sobre o conceito de distinção entre “língua” e “fala”. Refere ela a verdadeira epifânia que foi “o momento de tomada de consciência de que a língua é uma entidade de pertença social e colectiva, um código, uma possibilidade, de certa forma uma passividade, uma inexistência, enquanto a fala é a realização, a voz individual, o poder da palavra em acção”. A partilha desta reflexão teve por base o 25 de Novembro “que foi, disso tenho a certeza, o golpe contra o direito à fala, individual e colectiva, que o 25 de Abril tinha instaurado e que nós tínhamos agarrado e exercíamos com uma surpreendente desenvoltura.”
Guiados pelo olhar do britânico Humphry Trevelyan, recuamos ao Verão de 1975 e mergulhamos no viver das gentes de Miragaia, nas suas casas estreitas, nos vãos das suas arcadas, nos muros das suas fábricas. Em cada imagem, parece-nos “escutar” aquilo que Elisa Costa Pinto lembra na referida publicação, as ruas como enxurradas de fala, as praças como palcos de fala, as fábricas, os campos, as escolas, todos os lugares como lugares de fala. É disto que “Miragaia 1975 – Vida e Luta no Pós-25 de Abril” muito justamente fala, documentando a passagem do cineasta, fotógrafo e educador na área do cinema desde 1969 pela cidade do Porto. Em Miragaia irá encontrar um grupo de jovens que tinham criado um centro comunitário numa fábrica abandonada, passando alguns dias a registar fotograficamente estes adolescentes e as suas famílias, percorrendo as ruas estreitas que subiam a colina a partir dos espaços abertos perto do Rio Douro, entrando nas suas casas e participando num quotidiano onde a agitação política em curso se faz sentir nos gestos, nas atitudes, na fala.
Com as marcas das convulsões do PREC espalhadas por toda a parte, nas paredes, no chão, Trevelyan teve oportunidade de observar um ambiente de aparente “normalidade”, a maioria dos jovens de férias, a vida de sempre nos meses de verão, com as casas cheias de crianças e adolescentes. O fotógrafo lembra que “os adolescentes estavam ansiosos para mostrar o mundo que tinham criado na fábrica abandonada que se tinha tornado um centro comunitário. Recriaram algumas das actividades desportivas em que tinham estado envolvidos no início do Verão e desenrolaram orgulhosamente a grande faixa com slogans anti-imperialistas que tinha sido carregada em manifestações.” Vale a pena visitar este outro olhar sobre um período marcante da nossa história, numa iniciativa integrada nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Uma exposição que destaca a importância da preservação da memória e do património e celebra o papel dos arquivos na salvaguarda da nossa história.
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