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quarta-feira, 2 de outubro de 2024

LUGARES: Museu de Vila do Bispo - Celeiro da História



LUGARES: Museu de Vila do Bispo - Celeiro da História
Sítio das Eiras, Vila do Bispo
Horário | Terça-feira a Domingo, das 10:00 às 18:00
Ingressos | Bilhete normal € 5,00


“Tentemos descrever as coisas uma a uma, começando pelo Promontório Sagrado. Este é o ponto mais ocidental, não só da Europa, mas também de toda a terra habitada, já que esta é limitada, a ocidente, por dois continentes: os confins da Europa, que os Iberos habitam, e os primeiros contrafortes da Líbia, que os Maurúsios detêm […] Artemidoro, que diz ter estado no local, compara esse cabo e a terra que reentra pelo mar dentro a um barco.”
Estrabão, in Geographia, III.1.4

Instalado nos antigos celeiros de Vila do Bispo - EPAC, o Museu de Vila do Bispo - Celeiro da História abriu as portas ao público no passado mês de Janeiro, com o propósito de reunir, num espaço único, a herança colectiva do concelho situado mais a sudoeste do território continental português. No reabilitado e bem organizado equipamento museológico, as fundações geológicas dialogam com os mais remotos vestígios de presença humana nesta região. Num roteiro sinuoso, ricamente documentado e de enorme interesse, o visitante é levado pelos caminhos da Arqueologia e da História, ao encontro dos mais significativos acontecimentos e personagens que fizeram de Vila do Bispo aquilo que é hoje. Das primeiras comunidades que aqui se instalaram há trinta e quatro milénios, até aos nossos dias, é de exploração e descoberta que se faz a visita, ao encontro da riqueza e singularidade da biodiversidade local e da memória etnográfica das “gentes do Cabo” e da sua mística finisterra de mar feita.

O geomonumento da Ponta do Telheiro é o ponto de partida da nossa visita. Além do extraordinário valor cénico e paisagístico, é considerado um geossítio de referência à escala global pela sua importância científica e cunho didático. Em traços gerais, o seu aspecto austero e rude conta que houve aqui, há centenas de milhões de anos, um muito antigo oceano entre dois continentes em aproximação, que acabou por se fechar na sequência da colisão que os uniu, dando origem à formação de uma grande cadeia de montanhas, parte dela estendendo-se pelo que é hoje o sul da Europa, incluindo a Península Ibérica. Avançamos no tempo ao encontro do Abrigo de Vale do Boi, cujas investigações arqueológicas, para além de revelarem a presença de indivíduos que se dedicavam à caça, recolecção e apanha de marisco, mostraram tratar-se de um parque paleozoológico incrível, frequentado em tempos remotos por auroques, rinocerontes e até leões.

Caracterizado pela monumentalização das paisagens com o recurso a grandes pedras, enquanto simbólica expressão cultural, territorial e mágico-religiosa, o megalitismo tem, em Vila do Bispo, uma extraordinária expressão. Aqui se ergue a maior concentração de menires da Península Ibérica, havendo registo de trezentos vestígios meníricos. Eles são, muito provavelmente, os mais antigos monumentos megalíticos da Europa, encontrando-se na origem de um fenómeno que, de sul para norte, culminou em arquitecturas mais complexas como o recinto megalítico dos Almendres (Évora), os alinhamento de Carnac (Bretanha Francesa) ou o recinto de Stonehenge (Reino Unido). Dos povos que habitaram esta região nas Idades do Cobre e do Bronze, entre os III e II milénios a.C., vamos encontrar um conjunto de vestígios significativos, das ferramentas agrícolas aos monumentos funerários. O período de ocupação romana merece, igualmente, um lugar de destaque, sendo referenciado o povoado da Boca do Rio que, entre os séculos III e V d.C. esteve particularmente activo, dedicando-se as suas gentes à pesca, transformação de pescado, extracção de sal e exportação de produtos conserveiros para a Lusitânia.

“A Guerra dos Sete Anos, a Batalha de Lagos e o Ócean” prendem a atenção do visitante pela sua dimensão histórica, envolvendo o navio-almirante francês L’Ócean, expoente máximo da construção naval francesa com as suas 80 peças de artilharia e 801 homens a bordo. Foi ele o protagonista maior da chamada “Batalha de Lagos”, ao ser capturado pela Armada Inglesa, encalhado perto da praia bombardeado e incendiado. Parte do seu espólio foi recuperado numa série de campanhas arqueológicas realizadas entre 1981 e 1992, podendo ser apreciado no Museu. Também a Primeira Guerra Mundial passou por Sagres, ao largo do qual um submarino da Marinha Imperial Alemã afundou três navios mercantes e um veleiro das forças aliadas. Alguns destes episódios foram presenciados pela população, que se juntou nas arribas após ouvir os disparos vindos do mar. Armações, fortalezas, corsários e piratas entram igualmente na história de Vila do Bispo, com a população de Budens, em 1670, a mostrar-se capaz de repelir uma horda de piratas turcos, depois de, quase um século antes, o famoso corsário inglês Francis Drake ter saqueado Sagres, destruindo uma igreja e danificando a fortaleza.

Mas a visita não acaba aqui. Do terramoto de 1755, vemos que apenas uma casa resistiu (e que ainda existe) e que o tsunami que se lhe seguiu se fez sentir com tal violência que uma grande quantidade de pedras e peixes foi arremessada para o interior da Fortaleza de Sagres. Da lenda de S. Vicente retemos que foi aqui, no antigo Promontorium Sacrum, mística finisterra desde então conhecida por Cabo de São Vicente, que as relíquias do Santo foram postas a salvo, antes de seguirem para Lisboa, por vontade de D. Afonso Henriques, quatro séculos mais tarde, numa barca guardada por dois corvos. O Infante D. Henrique, o Navegador, não podia faltar nesta história. Escolhendo a Vila de Sagres como morada nos seus últimos anos, daqui assistiu à passagem de intrépidas frotas que se aventuraram por mares nunca antes navegados e aqui veio a falecer a 13 de Novembro de 1460. Enfim, de “lavrar o mar” e “lavrar a terra” nos falam os derradeiros painéis, evocando gentes de cá e de lá, que perpetuam saberes e costumes no ritmo das marés e no humor dos mares, no ciclo das Estações, na fertilidade das terras, na fecundidade dos animais, na oportunidade da caça.

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