CINEMA: “Pobres Criaturas” / “Poor Things”
Realização | Yorgos Lanthimos
Argumento | Tony McNamara, baseado no romance de Alasdair Gray
Fotografia | Robbie Ryan
Montagem | Yorgos Mavropsaridis
Interpretação | Emma Stone, Willem Dafoe, Mark Ruffalo, Ramy Youssef, Jack Barton, Kathryn Hunter, Charlie Hiscock, Vicki Pepperdine, Christopher Abbott, Attila Dobai, Jerrod Carmichael, Emma Hindle, Suzy Bemba, Hanna Schygulla, Carminho
Produção | Ed Guiney, Yorgos Lanthimos, Andrew Lowe, Emma Stone
Estados Unidos | 2023 | Comédia, Drama, Romance | 141 Minutos | Maiores de 16 anos
Vida Ovar
04 Fev 2024 | dom | 18:45
Por muitos defeitos, incongruências, despropósitos e excessos que lhes possamos apontar, filmes como “Pobres Criaturas” valem o seu peso em ouro. Mesmo que possamos sair da sala desapontados e com vontade de lhes dar não mais do que uma estrela, são certamente memoráveis porque obrigam a “trabalho de casa”, revelam-se em detalhes muito para lá das palavras “The End” e inspiram discussões que prevalecem por dias ou semanas. “Pobres Criaturas” é, pois, um desses filmes, não só pela fantasmagoria dos ambientes a pôr o público à prova – desde que este se mostre aberto ao absurdo e ao grotesco e seja tolerante com uma boa dose de erotismo –, como também por ser uma história que se desenrola de forma alucinante. Recuperando o mito de Frankenstein e vestindo-o de modernidade, o filme é uma grandiosa metáfora da vida humana, abordando temas como a moralidade, as relações de género e o inescrutável sentido da existência.
Yorgos Lanthimos volta a jogar deliberadamente com as convenções, mergulhando-nos em décors góticos, onde o expectável ambiente clássico do horror é quebrado pelo risível, os cientistas como crianças inocentes em matéria sexual, mas plenamente conscientes no momento de negar a ética e ressuscitar os mortos. O realizador serve-se de uma variedade de planos únicos que realçam o absurdo e nos fazem rir graças à sua distorção - é como se visitássemos uma sala de espelhos que deformasse de forma grotesca os nossos reflexos. Por outro lado, Lanthimos consegue distanciar-se do mau gosto, mesmo se o filme está repleto de criaturas aberrantes, cirurgias tenebrosas e descrições intensamente gráficas. O melhor exemplo é o do Dr. Godwin Baxter, que aparenta um cientista assustador e assombrado, com cicatrizes que lhe dão uma quase aparência de monstro, mas que transparece bondade e calor paternal, sabe ser paciente e gentil e se torna merecedor da nossa simpatia.
Conto de fadas excêntrico, “Pobres Criaturas” dá-nos a ver algumas das verdades que a natureza humana abriga. O tempo de uma breve passagem por este mundo é gasto na busca de dinheiro e prazer, de alimento intelectual para a mente ou de uma explicação para o sentido da vida. Dar livre curso às mais estranhas fantasias sexuais, fintar a auto-consciência ou entregar-se aos prazeres mundanos são formas de nos abstrairmos do mal e da pobreza que nos rodeia ou de evitarmos pensar na morte, destino mais que certo desde que se nasce. Ao mesmo tempo, estamos perante uma história de sucesso feminista, a mulher que cresce num mundo orientado para os homens e se liberta dele, tornando-se uma personagem forte e decidida, enquanto eles não passam de “pobres criaturas”, completamente impotentes perante a energia feminina. “Pobres Criaturas” é um filme estranho, pelo que de fascinante se revela nas suas figuras feias, disformes e mutantes, mas plenas de significados. Habita-o a beleza e o encanto das coisas simples e inocentes. Um filme feito para ser amado.
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