CINEMA: “O Sol do Futuro” / “Il sol dell’avvenire”
Realização | Nanni Moretti
Argumento | Francesca Marciano, Nanni Moretti, Federica Pontremoli, Valia Santella
Fotografia | Michele D’Attanasio
Montagem | Clelio Benevento
Interpretação | Nanni Moretti, Margherita Buy, Silvio Orlando, Barbora Bobulova, Mathieu Amalric, Valentina Romani, Flavio Furno, Zsolt Anger, Jerzy Stuhr, Teco Celio, Giuseppe Scoditti, Valerio da Silva, Angelo Galdi, Arianna Pozzoli, Francesco Brandi, Laura Nardi
Produção | Nanni Moretti, Domenico Procacci
Itália, França | 2023 | Comédia, drama | 96 Minutos | Maiores de 12 anos
Vida Ovar
03 Out 2023 | dom | 19:30
Dois anos depois de “Três Andares”, Nanni Moretti regressa ao grande ecrã com “O Sol do Futuro”, uma comédia através da qual o realizador observa, com o devido distanciamento e uma boa dose de ironia, o cinema que vem fazendo ao longo de cinquenta anos de carreira. O filme narra a história de Giovanni (interpretado pelo próprio Moretti), realizador de cinema que tem em mãos a rodagem de uma longa-metragem sobre a Revolução Húngara de 1956 e a escrita de um argumento baseado no conto “O Nadador”, de John Cheever. Em simultâneo, a sua mente fervilha em torno da possibilidade de um novo projecto fílmico que homenageie os 50 anos de vida de um casal e possa estar repleto de canções italianas. De permeio há nuvens que se adensam sobre a sua vida privada e que fazem adivinhar um cenário de divórcio, como há problemas de financiamento com um produtor francês ou perspectivas da entrada de um grupo de coreanos no projecto. E há também Jacques Demi e Cassavetes, Kieslowski e os irmãos Taviani, Scorsese e Federico Fellini.
Nanni Moretti volta a brindar o espectador com as marcas distintivas do seu cinema, as suas obsessões e desilusões, o seu repertório de tiques e manias, renovados muito eficazmente nalguns momentos, noutros algo requentados mas, ainda assim, saborosos. Este é um cinema fadado para tocar o espectador, não só pela partilha de uma história cujos valores acrescentam algo, mas também pela inegável paixão pelo cinema que se derrama de cada imagem, de cada diálogo, de cada olhar sobre as personagens. O filme conquista-nos porque expõe com firmeza pontos de vista com os quais, quer se concorde ou não, é importante que nos confrontemos. Sincero, sentido, assertivo, pessoal, Nanni Moretti tem um desempenho desarmante nesta representação que faz de si próprio. Não há nada de particularmente original na sua forma de estar em frente da câmera, mas há amor naquilo que faz, naquilo que é (autoconfiança é coisa que não lhe falta), e esse amor faz-se presente de uma forma contagiante.
O filme vive de momentos individuais, de planos diferentes que se cruzam, desde o filme dentro do filme (passado em 1956, quando a intervenção armada soviética na Hungria colocou o Partido Comunista Italiano numa posição desconfortável), até ao realizador que tenta fazer esse filme ao mesmo tempo que se confronta com os seus próprios sentimentos. Fala-se muito de cinema, de como é feito, dos princípios que lhe servem de base e que procura transmitir, discute-se longamente a violência no cinema, ridicularizam-se as plataformas de streaming. Homenageiam-se aqueles que não aparecem nunca, mas sem os quais os filmes não existiriam (veja-se a belíssima cena final). E, de forma implícita, condena-se a invasão da Ucrânia por parte da Rússia e lamenta-se que os partidos comunistas dos vários países não cometam a heresia de se demarcarem do sovietismo que os esmaga. Ao contrário do que o título possa fazer crer, “O Sol do Futuro” está longe de ser um filme optimista. É, antes, uma obra impregnada de melancolia e de consciência, de desilusão, mas que se afasta do coitadismo e rejeita a auto-comiseração. Do sonho nasce a crença, a mesmo que em Nanni Moretti se abre como um sol brilhante no firmamento de uma tela de cinema.
Sem comentários:
Enviar um comentário