CINEMA: “Golpe de Sorte” / “Coup de Chance”
Realização | Woody Allen
Argumento | Woody Allen
Fotografia | Vittorio Storaro
Montagem | Alisa Lepselter
Interpretação | Lou de Laâge, Niels Schneider, Anna Laik, Melvil Poupaud, Yannick Choirat, Guillaume de Tonquédec, William Nadylam, Elsa Zylberstein, Arnaud Viard, Jeanne Bournaud, Anne Loiret, Sara Martins, Alan Risbac, Éric Frey, Samantha Fuller, Valérie Lemercier
Produção | Erika Aronson, Letty Aronson
França, Reino Unido | 2023 | Comédia, Drama, Romance | 93 Minutos | Maiores de 12 anos
Cinema Vida Ovar
15 Out 2023 | dom | 17:25
Saio da sessão com a sensação de que nada mais há a esperar daquele que foi (e ainda é) um dos meus mais queridos realizadores. Na verdade, ao ler as últimas entrevistas que Woody Allen deu, percebe-se que a sua carreira poderá muito bem ter chegado ao fim com esta que é a sua 50ª longa-metragem desde que em 1969 nos presenteou com o impagável “O Inimigo Público”. Mas basta olhar para “Golpe de Sorte” com a devida distância para compreendermos que o seu cinema está definitivamente esgotado. A criatividade e o génio, a capacidade de surpreender o espectador, o domínio do nonsense, o talento indiscutível na direcção de filmes do calibre de um “Manhattan” ou de um “Zelig”, de “Os Dias da Rádio” ou de uma “A Rosa Púrpura do Cairo”, tem vindo a dar lugar, nos últimos anos, a um cinema pontuado aqui e além por lampejos de algum interesse, é certo, geralmente agradável de se ver, mas que pouco ou nada diz, nada acrescenta, nem deixa grande coisa para memória futura.
“Golpe de Sorte” tem a sua acção centrada em Paris. É lá que conhecemos Fanny, que trabalha numa casa de leilões, e o seu marido, Jean, um empresário que se dedica, como ele diz, “a tornar os ricos ainda mais ricos”. Um dia, de forma inesperada, Fanny encontra Alain, antigo colega de escola, e muita coisa vem ao de cima… Nada me daria mais prazer do que lançar a partir daqui o filme, as peripécias a sucederem-se e a darem prova do quanto Woody Allen é exímio neste género de comédia de costumes, pontuando de graça e beleza até as situações mais simples. Mas não. “Golpe de Sorte” é um filme que causa uma estranheza enorme (Paris não é Nova Iorque, tão pouco a língua francesa ajuda), dando a impressão de que poderia ter sido feito por qualquer outro cineasta. Até nem se trata de um mau filme, embora tudo seja demasiado previsível e com uma extraordinária recorrência ao acaso, sobretudo num final patético que o cineasta tenta disfarçar citando várias vezes ao longo do filme o pequeno ou grande milagre de estarmos vivos e seguirmos neste mundo.
Contado de forma apática, como se estivesse em piloto automático, as emoções não vêm do que vemos no ecrã, mas do que as personagens dizem que supostamente sentem. Acreditamos na súbita paixão de Fanny pelo escritor porque ela o diz, mas não porque o demonstre nesta relação de dois apaixonados pouco apaixonados. Melvil Poupaud e Lou de Laâge, nos papéis de Jean e Fanny, respectivamente, têm desempenhos abaixo daquilo a que já nos habituaram. Salva-se, no meio disto tudo, a veterana Valérie Lemercier, que interpreta a mãe de Fanny e que, no final, será a única a resolver o caso criminal que envolve a sua filha, como uma Miss Marple de trazer por casa com sotaque francês. Parece que Woody Allen, contaminou o filme com a sua falta de força e vigor próprios da idade. Não que os seus filmes tenham alguma vez sido vertiginosos, mas geralmente têm mais “punch” do que este “Golpe de Sorte”, que não honra os pergaminhos de um cineasta que, sobretudo nos anos setenta, oitenta e noventa, atingiu patamares difíceis de igualar. Não será o melhor testamento cinematográfico possível, se for finalmente, como parece, o último filme de Woody Allen.
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