CINEMA: “Aftersun”
Realização | Charlotte Wells
Argumento | Charlotte Wells
Fotografia | Gregory Oke
Montagem | Blair McClendon
Interpretação | Paul Mescal, Frankie Corio, Celia Rowlson-Hall, Sally Messham, Ayse Parlak, Sophia Lamanova, Brooklyn Toulson, Spike Fearn, Harry Perdios, Frank Corio, Ruby Thompson, Ethan James Smith, Onur Eksioglu, Cafer Karahan, Kayleigh Coleman, Tyler Mutlu
Produção | Mark Ceryak, Amy Jackson, Barry Jenkins, Adele Romanski
Reino Unido, Estados Unidos | 2022 | Drama | 102 Minutos | Maiores de 12
Cinema Vida
05 Mar 2023 | dom | 18:15
Conhecemos Calum (Paul Mescal) e Sophie (Frankie Corio) numa sequência que termina com uma despedida. O momento fica registado na câmera de filmar de Calum, na altura em que se separam no aeroporto e cada um segue o seu destino. Será este o fim de uma história muito especial, mas é a partir dele que toda a narrativa se irá desenrolar, num longo flashback que remete para umas férias na Turquia, numa altura em que Sophie tem 11 anos de idade e os pais se encontram separados. Embora se mostre genuinamente interessado em proporcionar à filha momentos inesquecíveis, Calum não consegue disfarçar os problemas que o assolam, nomeadamente o fim do relacionamento e o seu envolvimento num negócio que tarda em arrancar. Por outro lado, o homem vê que a filha está a crescer, que os relacionamentos irão naturalmente surgir e que muito em breve será uma mulher.
Surpreendente filme de estreia de Charlotte Wells, “Aftersun” – curioso título que, mais do que remeter para o creme calmante que pai e filha passam no rosto um do outro depois de um dia de sol, é uma metáfora elegante do seu relacionamento ao longo do tempo – vem mostrar que o papel dos pais não se esgota na condição de cuidador, terapeuta, enfermeiro, taxista, cozinheiro e mil e uma outras coisas conforme a ocasião. Pensar cada dia não exclusivamente em função de si, antes fazê-lo percebendo o quão duro mas, ao mesmo tempo, recompensador, pode ser o percurso de vida quando há filhos na equação, acaba por estar subjacente à narrativa desta história simples, tornada complexa pelo rol de emoções que dela emana. Resgatadas pela memória, as marcas que perduram lembram tempos que uns percebem como felizes e que, para outros, podem ser extremamente dolorosos.
Olhando para os papéis de Calum e Sophie, é difícil pensar numa relação pai / filha retratada de forma tão comovente, a compreensão e afecto entre os dois protagonistas tão reais, a inocência e vulnerabilidade de Sophie vivida com tanta intensidade. Charlotte Wells mostra-se exímia na forma elegante como enquadra as várias sequências em cenários que remetem para os anos 90. O sol brilha, as noites são escuras e quentes, mas mesmo nos momentos mais claros do dia o rosto de Calum não sai da sombra. É no escuro que ele trava as suas batalhas, procurando esconder de Sophie (e dos espectadores) o seu enorme desespero. É inevitável essa sensação de inquietação e de mal-estar que se vai instalando e que se abre a múltiplas interpretações. No limite, poderá encarar-se uma eventual situação de risco, embora tudo seja apenas inferido, a memória como única evidência. Um filme de uma enorme contenção, complexo na sua aparente simplicidade e que se oferece a um conjunto vasto de leituras, por muito díspares que possam ser.
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