EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Cindy Sherman: Metamorfoses”
Curadoria | Philippe Vergne
Coordenação | Paula Fernandes
Produção | Museu de Arte Contemporânea de Serralves, The Broad Art Foundation (Los Angeles)
Museu de Arte Contemporânea de Serralves
04 Out 2022 > 16 Abr 2023
Surpresa e fascínio. Quem não estiver minimamente familiarizado com a obra de Cindy Sherman vai sentir isto ao visitar a exposição patente ao público no Museu de Arte Contemporânea de Serralves. Talvez o fascínio surja em primeiro lugar. Os “Retratos Históricos”, mostram a artista na pele de personagens bem conhecidas da pintura clássica, remetendo para as obras de Rafael, Jean Fouquet, Oscar Gustave Rejlander, Caravaggio ou Bernardino Luini. Através de um largo espectro de retratos e autorretratos, cujos estilos incluem a Renascença, o Barroco, o Rococó ou o Neoclassicismo, Sherman transforma-se em figuras femininas ou masculinas, diluindo as fronteiras de género. A surpresa advém da descoberta da artista por detrás de cada personagem, a sua transformação física, simultaneamente autora e modelo das suas imagens, representando vários papéis. E, de novo, o fascínio.
“Cindy Sherman: Metamorfoses” reúne um conjunto de obras que abrange toda a carreira da artista, desde os seus primeiros projetos até aos trabalhos mais recente. A exposição está estruturada como um conjunto de cenários baseados nas narrativas implícitas na obra de Sherman e o seu título, aberto a uma multiplicidade de interpretações, inspira-se numa citação de Agustina Bessa-Luís: “As pessoas estão continuamente sujeitas a metamorfoses que chamaremos de ficção, mas que é o próprio instrumento da realidade… O indivíduo não contém apenas seu duplo, mas muitos outros que reivindicam sua identidade do fundo do ser.” Esta ideia de metamorfose surge particularmente vincada na série “Retratos de Sociedade”, de 2008, na qual a artista encarna figuras distintas e realça nas imagens os sinais de envelhecimento. Vemos mulheres maduras, poderosas e influentes, de um determinado estatuto social, usando maquilhagem, desafiando, como Dorian Gray, os efeitos da passagem do tempo.
Para a série “Flappers”, de 2016-2018, a artista inspirou-se na geração de mulheres dinâmicas saída da Primeira Guerra Mundial, que pareciam atrizes da era dos filmes mudos. Numa outra sala encontramos a série “Máscaras”, criada em 1996, em que vemos rostos em primeiro plano que foram totalmente desfigurados pelo excesso de maquilhagem. Os rostos são enigmáticos, artificiais e inescrutáveis, provocando no espectador uma sensação de repulsa, estranheza ou aversão. Desta época são também as obras expostas no segundo piso do Museu: as Imagens Sexuais (1992-1996) e as Imagens Surrealistas (1993-1994). Trata-se de imagens irreais, habitadas por personagens sobrenaturais e terríficas, encarnando medos irracionais e pesadelos do passado, no limite do abjeto. Aos poucos, o corpo da artista é substituído por seios falsos, excrescências humanas, fluídos corporais, detritos sexuais e próteses médicas. A série “Palhaços” explora o sentimento de ansiedade e opressão que esta personagem circense provoca.
Finalmente, é importante realçar o mural que Sherman concebeu e adaptou para o Museu de Serralves. Esta série de trabalhos criada em 2010 é para ela um campo de experimentação. A maquilhagem passou a ser feita em Photoshop. Alterações da posição dos olhos, um rubor mais expressivo nas maçãs do rosto, perucas diferentes e a estranheza do vestuário, tudo é usado para construir figuras que se posicionam numa paisagem estranha e assumem uma escala monumental, impressas em tecido autocolante e instaladas diretamente na parede. Embora teóricos e críticos de arte associem geralmente o trabalho de Sherman ao feminismo e a temas como a violência e o voyeurismo, a artista prefere evitar essa classificação e instrumentalização teórica. O trabalho de Cindy Sherman deve ser visto como uma dramaturgia para uma peça em que a artista é simultaneamente sujeito e objeto da sua obra, com a qual constrói uma constelação inteiramente sua.
[Texto compilado a partir do roteiro da exposição e que pode ser visto na íntegra em https://cdn.bndlyr.com/nsa343pdfl/_assets/2209_roteiro_cindysherman_site.pdf]
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