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PERFORMANCE: “Variações para Piões”
Autoria | Ines Tartaruga Água
Interpretação e co-autoria | Beatriz Bizarro, Rui Fonseca e Xavier Paes
Produção | Museu Escolar Oliveira Lopes
Museu Escolar Oliveira Lopes - Cantina Escolar
07 Jan 2023 | sab | 17h30
Um cheiro, um sabor, um objecto, uma expressão, um olhar, um trejeito, um gesto. Nunca é clara a forma como as coisas se insinuam e se atravessam no nosso caminho. Surgem de mansinho, quebrando a voragem dos dias. Apanham-nos de surpresa, obrigam-nos a abrandar, a parar e, no embalo da memória, fazem-nos recuar no tempo. A distância entre o que fomos e o que somos esbate-se, um calorzinho bom enrosca-se no peito e, no rosto, um sorriso de orelha a orelha faz prova da felicidade que nos toma e preenche. Foi assim neste regresso à infância, à boleia de uma performance, que foi também ensaio aberto e apresentação de uma investigação, levada a cabo ao final da tarde de sábado, no espaço da Cantina do Museu Escolar Oliveira Lopes, por um quarteto onde pontificou Ines Tartaruga Água, devidamente acompanhada por Beatriz Bizarro, Rui Fonseca e Xavier Paes.
É de felicidade que falo quando falo de “Variações para Piões”. Foi felicidade que senti, uma felicidade pura e genuína, que durou o tempo que durou a performance. Felicidade pelo “regresso” à Escola, ao lugar mítico do recreio, fonte única de aventuras e sobressaltos, espaço de conquistas e de afirmação. Pelo regresso ao jogo e à brincadeira, ao fascínio de ver com que cuidado se enrola a guita, com que perícia se puxa o braço atrás e se atira o pião, com que atenção o olhar segue o veloz rodopio, o tempo a demorar-se num prumo impecável até ao abrandamento, a um cambalear cada vez mais trôpego e à rendição completa. Mas Inês Tartaruga Água e os seus companheiros quiseram tornar mais intensos os momentos de encanto, acrescentando à sua representação o som, a música e o desenho. Com eles vieram os rastos de um pião sobre a terra, tal como veio uma combinação de silvos de diferentes tonalidades que nos invadiu e preencheu, nos hipnotizou e relaxou, levando-nos numa viagem ao mais fundo dos mares ou aos confins do universo.
Profundamente onírica, a performance explora uma série de pressupostos assentes nas leis da Física. Desde logo o som, tornado audível porque estes piões são, na verdade, ocarinas. Com um orifício apenas, mas ocarinas. De cerâmica, como convém. A sua forma e tamanho definem o som. “Sopradas” em conjunto, permitem a criação de composições muito belas. Há ainda o desenho, os traços de um “pião” impressos numa “esteira” de papel de cera (?) e essa imagem incrível de que apenas na fase final da “vida” do pião o traço se faz notar, sendo tanto mais intenso e, por vezes, irregular, quanto maior é o seu “estertor”. Enfim, duas placas de platex transformadas em instrumentos musicais onde o quarteto ensaiou diferentes tonalidades e intensidades sonoras mediante a orientação do pião ou a alteração da forma das placas. Sabemos que em tudo há música, mas poder vê-la surgir desta maneira tão simples, tão feita de engenho e arte como se produzida pelo mais sofisticado instrumento, tem o valor das verdades absolutas.
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