CINEMA: “Nitram”
Realização | Justin Kurzel
Argumento | Shaun Grant
Fotografia | Germain McMicking
Montagem | Nick Fenton
Interpretação | Caleb Landry Jones, Judy Davis, Anthony LaPaglia, Phoebe Taylor, Sean Keenan, Conrad Brandt, Jessie Ward, Zaidee Ward, Ethan Cook, Kyan Hugh Mana Walters, Essie Davis, Lucas Friend, Charlotte Friels, Annabel Marshall-Roth, Christiana Plitzco
Produção | Nick Batzias, Shaun Grant, Justin Kurzel, Virginia Whitwell
Australia | 2021 | Drama, Thriller | 112 Minutos | Maiores de 14
Cinema Vida
06 Mai 2022 | sex | 16:00
No dia 28 de Abril de 1996, em Port Arthur, na ilha australiana da Tasmânia, um homem de 29 anos chamado Martin Bryant assassinou trinta e cinco pessoas e feriu outras vinte e três, naquele que é considerado um dos mais fatais tiroteios do mundo. Distanciado da realidade, desprovido de emoções e com um comportamento anti-social desde criança, Bryant foi vítima de bullying e a educação que recebeu dos pais foi tudo menos primorosa. Chegado à idade adulta, conseguiu fazer amizade com uma mulher milionária trinta anos mais velha e que, ao morrer, lhe deixou a casa e toda a sua fortuna. Foi graças a esta herança que Bryant conseguiu reunir o enorme arsenal que viria a utilizar no massacre. Considerado imputável, foi condenado a trinta e cinco penas de prisão perpétua pelos homicídios, estando encarcerado desde 2015 numa prisão de segurança máxima perto de Hobart. Como resposta ao massacre, os governos de Estado e Território Australianos reviram a lei do uso e porte de armas, embora actualmente existam mais armas na população civil australiana do que em 1996.
Será fácil complementar a informação contida no parágrafo inicial com uma breve pesquisa na internet, mas independentemente do quão profunda for a sede de conhecimento acerca deste caso, as questões irão sempre colocar-se: O que levou Bryant a cometer o assassínio em massa com tanta frieza? Que detalhes biográficos podem lançar alguma luz sobre o inexplicável? É a essas e outras perguntas que Justin Kurzel procura responder em “Nitram” (mais do que o nome de Martin escrito ao contrário, “Nitram” remete para o termo “nit”, que tanto pode designar as lêndeas como uma pessoa pouco inteligente, um “lerdo”). Apesar da importância do que o filme revela, ele vale sobretudo pelo que oculta ou dissimula. A completa recusa de um tratamento sensacionalista é bem patente quando o realizador opta pela ocultação das imagens do massacre. Também o tratamento dado à personagem principal está longe de qualquer abordagem psicológica ou aproximação cúmplice. A aposta de Kurzel reside na mera apresentação das acções e comportamentos de Martin, apoiado num cuidado exercício de pesquisa e documentação prévia.
Aqui e ali, pode o espectador encontrar os traços de um perfil psicopata: a mãe castradora e implacável, o bullying por parte do bairro e da escola, os surtos inesperados de violência, os mal-entendidos transformados em sociopatia… Mas este Martin, superiormente interpretado por Caleb Landry Jones, permanecerá sobretudo como um mistério insondável, uma força que pode ser aplacada mas nunca domada. É impossível - e nisso temos de agradecer a Justin Kurzel a sua enorme sensibilidade - reduzir a personagem à figura de um pobre coitado que só precisa de um abraço. E todavia, o compromisso assumido do realizador com o público não vai além disso. Longe de imaginarmos os contornos e efeitos de uma tão grande tragédia, somos testemunhas de uma história cujo desfecho era inevitável. As perguntas crescem e adensam-se. Não é em artigos da wikipedia ou num qualquer documentário que vamos encontrar as respostas. Do outro lado do filme, a realidade exige investimento, envolvimento. Só então as respostas poderão a surgir, alojadas que estão no mais fundo de cada um de nós.
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