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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

CINEMA: "Gagarine"



CINEMA: “Gagarine”
Realização | Fanny Liatard, Jérémy Trouilh
Argumento | Fanny Liatard, Jérémy Trouilh, Benjamin Charbit
Fotografia | Victor Seguin
Montagem | Daniel Darmon
Interpretação | Alseni Bathily, Lyna Khoudri, Jamil McCraven, Finnegan Oldfield, Farida Rahouadj, Denis Lavant, Cesar ‘Alex’ Ciurar, Rayane Hajmessaoud, Hassan Baaziz, Salim Balthazard, Elyes Boulaïche, Fabrice Brunet, Jacques Cissoko, Mamadou Cissoko
Produção | Julie Billy, Carole Scotta
França | 2020 | Drama | 98 Minutos | Maiores de 12
Cinema Vida
06 Fev 2022 | dom | 18:15


Com o selo da seleção oficial do Festival de Cannes, “Gagarine” chegou às salas portuguesas carregando sobre os ombros o peso da muito aclamada versão curta assinada em 2015 por esta mesma dupla de realizadores. Melhor fora que se tivessem deixado ficar por aí. A incapacidade de gerir um filme mais prolongado no tempo torna-se evidente a partir da meia hora inicial, “Gagarine” transformado num objecto cujo interesse se vai desintegrando, perdendo-se a pouco e pouco, a ponto de se transformar num teste à paciência do espectador. E, porventura, o filme até começa bem, abrindo-se em imagens de época que remetem para a inauguração de um complexo de apartamentos nos arredores de Paris, visitado na altura pelo astronauta russo Yuri Gagarin. Como tantos outros, também este empreendimento não resistiu à desindustrialização e às mudanças geracionais radicais, acabando tomado pelo abandono e pela marginalidade. Salvar o “Gagarine” ou demoli-lo eis a questão.

Há um lado documental nesta história que prende o nosso interesse. Em 2019 foi anunciada a demolição de toda esta vasta área de edifícios e Fanny Liatard e Jérémy Trouilh viram nisso a grande oportunidade de regressar ao seu “Gagarine”, capitalizando a sucessão de acontecimentos, nomeadamente a luta de uma faixa de moradores para reverter a decisão das autoridades. Elegeram como símbolo da visão contestatária a figura de Yuri, jovem idealista cujo sonho é salvar um edifício no qual vê a sua “nave espacial”, centrando nele a acção. Mudando de agulha, o filme apropria-se desta ideia de espaço, de falta de gravidade, puxando pelo lado onírico da história. Yuri é agora um astronauta em órbita, reproduzindo uma verdadeira estação espacial no prédio desabitado e rogando aos deuses, com todas as suas forças, que a “missão” não siga o destino dessas outras que, segundos após a descolagem, sofrem uma explosão violenta e se desintegram.

As preocupações sociais demonstradas pelos realizadores, esta ideia de cidade como um bem comum, rapidamente se desvanecem, dando lugar a um filme individualizado, centrado numa personagem centrada em si mesma. A inabilidade em fazer passar a mensagem de que Yuri representa toda uma geração que enfrenta o desenraizamento forçado, incapaz de lutar contra os poderes instituídos que determinam quais são os territórios inúteis ou perigosos, acaba por ser fatal ao filme. Numa das sequências mais representativas do filme, Yuri é convidado por Fari a subir ao alto de uma grua. À dificuldade de uma escalada exigente somam-se problemas de vertigens. É de olhos vendados que Yuri sobe, guiado pela sua amiga. De olhos “vendados”, o espectador sobe também. Chegados ao topo, instalamo-nos na cabina da grua e retiramos a venda. O momento condensa emoção e tensão. Mas não há emoção nem tensão no desvendar da paisagem que se abre à nossa frente. É assim “Gagarine”, despido de interesse, irritantemente banal.

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