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quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

EXPOSIÇÃO DE PINTURA: "Entre o Tempo e a Memória" | Elizabeth Leite


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EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “Entre o Tempo e a Memória”,
de Elizabeth Leite
Centro Multimeios de Espinho
20 Nov 2021 > 30 Jan 2022


“Agora que as nuvens se dissipam e o vento amaina, que o sol traz de novo a cor aos gerânios, que os pássaros voltam a cantar na sebe e a gata retoma a sua habitual rotina higiénica, descansa por um instante. Debruça-te sobre a mesa, um corpo que se faz casa, abrigo que esboças de cor. Fecha os olhos e sente a paz a regressar muito lentamente ao mais fundo de ti. Fecha bem os olhos. Escuta.”
Joaquim Margarido, excerto de “Repiques” [texto escrito para a exposição com o mesmo nome, patente na Galeria Santa Maria Maior, em Lisboa, entre os passados dias 08 de Julho e 10 de Setembro] 

É sempre uma alegria estarmos com aqueles de quem gostamos, que nos abrem as portas e o coração e, com franqueza e verdade, nos convidam a entrar, a permanecer. Sei que me repito, mas os quadros de Elizabeth Leite dão-me essa nota de franqueza, essa verdade, de tal forma a artista se abre e nos abre o seu mundo sem reservas, generoso e simples. Assim é, uma vez mais, no Centro Multimeios de Espinho onde, até ao próximo dia 30 de Janeiro, está patente uma exposição da pintora, muito adequadamente intitulada “Entre o Tempo e a Memória”. Ali (re)encontrei um conjunto de quadros do quotidiano que são convites a reparar nas coisas com o tempo que lhes é devido e a buscar nas minhas memórias o sentido de cada expressão, de cada gesto, das palavras proferidas, do que oculto e do que guardo, do que prefiro esquecer. O sentido, enfim, da minha própria vida.

De um ponto de vista pessoal, esta é uma exposição com enorme significado. Ela surge na sequência de “Repiques”, a anterior exposição individual na Galeria Santa Maria Maior (e que apenas virtualmente visitei), transpondo para o espaço do Centro Multimeios uma mostra dos trabalhos mais significativos apresentados ao público lisboeta. A propósito da mostra anterior, tive o privilégio de escrever um breve texto que é a expressão das emoções que todos estes trabalhos me proporcionaram. “Entre o tempo e a memória”, enquanto apreciava as obras no atelier da artista e conversava sobre elas, ía escutando os sinos da igreja e sentindo como as pinceladas sobre a tela estavam cheias dos seus repiques, celebrando festas ou recolhendo-se em dor e luto. Naquele espaço mágico percebi que há em cada pincelada uma cadência solene, que tanto podem ser esses repiques como o bater do coração, como ainda “o ladrar dos cães ao longe, a vizinha da frente a chamar as netas, a carrinha do padeiro que apita três vezes sempre à mesma hora, o pingar ritmado da torneira na bacia do jardim, o arrulhar das rolas no telhado da casa, a bola que bate duas vezes no cimento antes de tomar a direcção do cesto…”.

É nesta amálgama, paradoxalmente harmoniosa e muito bela, que me misturo quando volto a encontrar-me, cara a cara, com a Elizabeth, na sua dimensão múltipla dentro e fora da tela, personagem activa ou apenas espectadora de um mundo que é o seu e onde cabem, de uma forma muito especial, o António, o João e o Tomé, mas também toda a família mais chegada, até a mais afastada, os vizinhos, os amigos. Concluo, dizendo: “Devagar abrirás os olhos. Voltarás a ser tu e o teu tempo. A impossibilidade de se ser outro. O cheiro das tintas é sempre mais forte depois da tormenta. Os quadros envolver-te-ão. Vestirás o teu corpo de pincéis e cor para te deleitares num pêssego sumarento, no padrão estrelado dos azulejos, num vaso quebrado, num tacho lavado, no viço das flores. Grávida de esperança, responderás com firmeza às dúvidas, certa de que dois e dois são cinco. Numa harmonia telúrica, abrir-se-á em vida o traço leve. Tudo se conjugará em encanto e beleza. Um último fulgor e a obra estará pronta. Ergues o olhar aos céus e abraças a graça de seres quem és.” Obrigado, Elizabeth.

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